A defesa, em espaços públicos, da legalização das drogas, longe de significar um ilícito penal, supostamente caracterizador do delito de apologia de fato criminoso, representa, na realidade..
A defesa, em espaços
públicos, da legalização das drogas, longe de significar um ilícito penal,
supostamente caracterizador do delito de apologia de fato criminoso,
representa, na realidade, a prática legítima do direito à livre manifestação do
pensamento, propiciada pelo exercício do direito de reunião, sendo irrelevante,
para efeito da proteção constitucional de tais prerrogativas jurídicas, a maior
ou a menor receptividade social da proposta submetida, por seus autores e
adeptos, ao exame e consideração da própria coletividade
(trecho final do voto do Ministro Celso de Mello na Ação de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 187, ajuizada pela Procuradora-Geral da República,
Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, contra a proibição de manifestações
públicas em defesa da discriminação do uso de drogas. Plenário do STF, 15 de
junho de 2011).
Para Aristóteles a
arte imita a vida, já para Oscar Wilde a vida imita a arte mais do que a
arte imita a vida. Se a arte está a anunciar e reforçar uma realidade que
está brotando ou se ela está apresentando para a sociedade uma nova ordem ainda
não experimentada, só Deus sabe; o que sei, é que não me parece ser à toa que
certos temas se transformem em roteiros, nem que certos roteiros sejam
concebidos para nos apresentar temas antigos com um novo figurino...
Para quem – como eu
– é apaixonado pela sétima arte, e não só devora, mas também reflete sobre essas
obras, vale a pena assistir Billions na Netflix. É daquelas
séries de intrigadas relações humanas e éticas em torno do mercado financeiro
norte-americano e que hoje (2021), já na sua quinta temporada e 11º episódio (Victory
Smoke), me chamou a atenção, tão somente porque dias após, por eventual
coincidência, acabei por assistir ao episódio Cannabis S.A., do programa
Entre Mundos da CNN Brasil, veiculado no domingo (07/11), onde o
apresentador, Pedro Andrade, visitou a loja Green Muse, do empreendedor
Karanja Crews, e a Magic Hour, de propriedade de um casal que vende
produtos a base de cannabis, chegando até a petiscar recreativamente a
erva.
Em Billions,
onde o gênio nada ético do mercado de futuros, Bobby Axelrod, acaba caindo numa
trama armada pelo procurador-geral de Nova York, Chuck Rhoades, mancomunado com
Mike Prince, Kate Sacker e o diverso Taylor Mason, que lhe resulta acusação de
financiar narcotráfico ilícito em favor da executiva-chefe da Fine Young
Cannabis, Dawn Winslow.
Dawn Winslow e sua
empresa Fine Young Cannabis são do ramo de comércio legal de maconha em
Nova York, contudo a empresa acaba terceirizando venda de droga produzida
ilegalmente por narcotraficantes; e é aí que Bobby Axelrod e seu Axe Bank se
dão mal e caem na armação do promotor Chuck Rhoades.
O que me chamou a
atenção tanto na arte de Billions, quanto na realidade de Entre Mundos
foram duas questões: a romantização ética e a monetização legal da droga; de um
lado Pedro de Andrade apresenta os empresários alternativos como artesãos de
uma nova ordem de costumes, discute mitos sobre o uso de maconha, compara isso
ao hábito de seu pai em tomar Whisky nos finais de tarde, e atrela esse cenário
a questões sociais; de outro lado, Billions mostra o apetite do mercado
capitalista nessa nova fatia do mercado consumidor – daí seu interesse na
legalização e ruptura com preconceituosos e caretas discursos opositores.
Era o dia 15 de
junho do ano de 2011, quando o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou que
a Marcha da Maconha representava mero exercício dos direitos à liberdade de
expressão e de reunião (artigos 5º, incisos IV, IX e XVI, e 220 da Constituição
Federal).
Confesso que ainda
me causa estranheza, que tenha sido o Ministério Público quem tenha ajuizado
defesa à Marcha da Maconha, mas reconheço que sua luta tenha sido pelas
liberdades públicas, em aparente choque com a ordem jurídica estabelecida pelo
artigo 287 do Código Penal (Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso
ou de autor de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.);
pedia a Procuradora-Geral da República, Deborah Macedo Duprat de Britto
Pereira, que o STF, pela via da técnica da interpretação conforme (significa
interpretar a lei [Art. 287 do Código Penal] a partir dos direitos
constitucionais), para excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização
da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente
específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos”.
Mas que conexão
poderia haver entre um caso julgado há 10 anos (STF, ADPF 187), um episódio de
uma série (Billions, Netflix, 2021) e um documentário (Cannabis S.A.,
Entre Mundos, CNN Brasil, 07/11/2021)?
Observo que vem se
acentuando uma pressão do mercado financeiro dirigida a romper com a cultura
social majoritária de repulsa à maconha; e essa pressão é contínua, paciente e sedutora.
A legalização da produção e consumo de maconha tende a evoluir do uso medicinal
para o recreativo, como já se espalha por alguns estados dos Estados Unidos,
alguns países da Europa e, na América Latina, Uruguai. E o que não faltam são maconheiros
a marcharem nessa defesa... (perdoem-me o termo chulo; tomara que também não
seja considerado crime de racismo herbóreo).
Mas observo mais... Em
Billions, o que deveria ser um mero negócio financeiro de fomento entre o
Axe Bank e a empresa Fine Young Cannabis desborda para crime de
financiamento de tráfico ilegal de drogas, porque a empresária Dawn Winslow
tomou empréstimo bancário junto a Bobby Axelrod e com o dinheiro investiu na
compra de no mercado ilegal internacional; ora, seguramente o mercado ilegal do
narcotráfico internacional, livre das amarras fiscais e trabalhistas, oferece
preços bem mais atrativos que os produtores legalizados de maconha...
Legalizar então
resolve? Se a legalização resolvesse algo para as drogas ilícitas como a
maconha, também seria de se esperar que tivesse resolvido com relação às drogas
lícitas (cigarros de tabaco e bebidas alcoólicas); ao contrário, o mercado
paralelo (contrabando e descaminho) sobrevive e ainda alimenta toda uma cadeia
de produção e de corrupção de agentes públicos... A lei do mercado, além de
mais forte e eficiente ainda se sobrepõe à lei do Direito que, não bastasse,
ainda sofre a tal interpretação conforme... Imaginem conforme o quê?
Este artigo pode até
parecer um pouco reacionário; alguns poderiam até interpretá-lo como
conservador ou mesmo, por que não dizer, careta... Mas o tom da prosa não é a
defesa ou o ataque ao consumo de drogas, tampouco à sua criminalização ou
descriminalização; a questão é do exercício de raciocínio lógico, para pôr em
xeque argumentos frágeis sempre recorrentes sobre o tema.
Avançando no campo
da lógica, veja-se que, especialmente a partir da campanha conduzida pelo
Ministério da Saúde em 1996, a propaganda do cartunista Ziraldo, premiada pela
Organização Mundial da Saúde, fixou um novo conceito de que fumar cigarro de
tabaco seria cafona, brega, careta e patético; seguiram-se proibições de
propaganda, mensagens e fotos repulsivas estampadas nas carteiras de cigarro e,
finalmente, a proibição de fumar em quase todos os espaços públicos...
Ora, fumar é brega,
cafona, careta e patético, enquanto fumar maconha é Cult?
Seria o caso de os Cowboys
de Marlboro saírem numa Marcha do Tabaco?
Em tempo:
no título deste artigo, Racismo Herbóreo, é nossa alusão irônica ao julgado
pelo STF, coincidente também relatado por Celso de Mello, e que pode ser
conferido AQUI no DLNews