Com o título "Com aval de Bolsonaro, policiais podem virar carreira típica de Estado na reforma administrativa”, A Coluna do Estadão, de 12 de junho de 2021, traz um artigo assinado por Marcelo Ramos (PL), vice-presidente da Câmara dos Deputados, que afirma: Como se sabe, forças de segurança formam o eleitorado bolsonarista.
É que estamos novamente em
tempos de Reforma Administrativa, e em curso a tramitação da Proposta de Emenda
à Constituição nº 32, de 2020, pela qual se pretende alterar dispositivos sobre
servidores e empregados públicos e modifica a organização da administração
pública no Brasil.
Como sempre digo aos meus
alunos papagaio também fala, então é preciso estudar para comunicar
conteúdos inteligentes...
Pois bem, foi no governo de
Fernando Henrique Cardoso (PSDB), pelas mãos e mente de Luiz Carlos
Bresser-Pereira, brilhante economista, cientista político e social e
advogado, além de reconhecido professor da prestigiada Fundação Getúlio
Vargas em São Paulo desde 1959, que foi idealizada a mais recente Reforma
Administrativa brasileira, a partir do chamado Plano Diretor da Reforma do
Estado, aprovado em 1995, e que estabelecia diretrizes e definia objetivos
para a reforma da administração pública brasileira, com foco numa virada de
página do Modelo de Administração Burocrática e Patrimonialista para o
chamado Modelo Gerencial, onde a administração foca na eficiência e nos
resultados.
Uma pesquisa rápida pelo
Google levará nosso ouvinte a textos acadêmicos bastante densos e interessantes
sobre esses modelos e sobre os trabalhos de Bresser-Pereira que desembocaram na
Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998 (a Emenda da Reforma
Administrativa).
Aquela Reforma Administrativa
abalou o sistema antigo, tocando em pontos sensíveis e privilégios de algumas
categorias do setor público, como a estabilidade, o teto remuneratório, a
adoção de mecanismos de avaliação de desempenho, o regime previdenciário geral
e outros e, é nesse contexto, que se destaca o conceito de carreiras de
Estado. Mas o que seriam essas tais carreiras de Estado?
Por definição acadêmica,
comporiam as carreiras de Estado somente aqueles cujas atividades estão
voltadas para as atividades exclusivas de Estado, relacionadas com a
formulação, controle e avaliação de políticas públicas e com a realização de
atividades que pressupõem o Estado enquanto pessoal; assim, ficariam concentradas
no Estado atividades relacionadas com formulação, controle e avaliação de
políticas públicas e que pressuponham o poder de Estado, transferindo-se as
atividades que podem ser desenvolvidas pelo mercado e a execução de serviços
que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas que devem ser subsidiados
pelo Estado - como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa
científica - para o setor privado e para o setor público não-estatal,
respectivamente. (Vale conferir em: A Nova Política de Recursos Humanos. Cadernos
MARE da Reforma do Estado, nº 11, Brasília: MARE, 1997).
Assim, com todo o respeito que
merece Sua Excelência, o colega Advogado amazonense, Deputado Federal Marcelo
Ramos (PL-AM), vice-presidente da Câmara, não existem carreiras mais
reveladoras do poder do Estado e que, por essa razão, sequer se pode
cogitar transferir para a iniciativa privada, ainda que sob regulação do
Estado, que aquelas que desempenham atividades de jurisdição e de polícia; essa
é a origem e fim do conceito de carreiras de Estado e, portanto,
Bolsonaro não tem o poder de fazer virar ou desvirar o que já o é
por essência e por dicção constitucional carreira de Estado.
Não bastasse, parece-nos ser
temerário – e mero jogo de retórica – afirmar que as forças de segurança
formam o eleitorado bolsonarista, quando esse eleitorado se formou em 2018
com 57.797.847 votos. Daí porque também nos parece que o comentário é
enviesado e preconceituoso, notadamente porque o efetivo nacional dessas forças
está na casa de pouco mais de 500 mil profissionais, que se mostram divididos
em suas ideologias e predileções político-partidárias, como se pode constatar
facilmente observando-se o rol de partidos políticos, por que foram eleitos e
se acham filiados, nossos atuais parlamentares, que têm origem nas forças
policiais civis e militares.
Não bastasse, ao contrário
dessa linha discursiva, o que infelizmente tem ocorrido é uma constante
diminuição do efetivo policial no país; segundo dados do IBGE, em 2019 eram 416.923
policiais militares no Brasil, contingente um pouco inferior ao
existente em 2014, quando havia 425.248; essa mesma redução também se verifica
no efetivo das polícias civis, que tinham 117.228 profissionais no ano
passado, menos do que em 2014, quando possuíam 117.642 funcionários.
Se a intenção for – até que
enfim, digo eu – dar um basta aos chamados privilégios e supersalários, vale
enfrentar e matar sem dó o disposto no parágrafo 11 do artigo 37 da Constituição
da República (Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios
de que trata o inciso XI do caput deste artigo [estabelece subsídio mensal,
em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal], as parcelas de
caráter indenizatório previstas em lei); sim, são as verbas de caráter –
dito – indenizatório que permitem que supere o atual teto remuneratório de R$
39,2 mil, a ponto de o ministro Gilmar Mendes, na Sessão Plenária de 10 de
agosto de 2017, sob a presidência da Ministra Cármen Lúcia, apontando para uma
média salarial dos desembargadores paulistas na casa média de R$ 70 mil, dizer
em alto e bom tom: Temos que parar para refletir sobre isso. Hoje, já juízes
que ganham mais do que ministro do STF. Não há um teto mais furado que esse...
Já quando se fala dos salários
de professores e policiais a história é bem outra (média nacional no patamar de
R$ 3,2 mil) e de policiais militares (média entre o extremo mínimo de R$ 2.7
mil no Espírito Santo e a maior remuneração de R$ 5,7 mil em Goiás); pobre
eleitorado, eleitorado pobre...