Hoje (21/06) completamos 13 dias de buscas por Lázaro Barbosa de Sousa; o triste espetáculo seria mais uma das tantas histórias de criminosos habituais e suas fugas, não fosse a repercussão, em nível nacional, que a mídia deu ao caso e isso se deve, em grande parte, pelas ações cinematográficas adotadas pelas forças de segurança que operam em Goiás e no Distrito Federal, numa verdadeira caçada ao criminoso.
No último dia 18, quando
procurado pela afiliada de Rede Globo do Distrito Federal para falar sobre o
caso – e isto na condição de presidente do Instituto Brasileiro de Segurança
Pública (IBSP, sediado em nossa São José do Rio Preto) – a primeira
resposta que dei (em OFF) ao jornalista da redação, com quem era
ajustada a gravação da entrevista, e que me perguntava se eu estava inteirado
sobre o Caso Lázaro, foi a de que estávamos diante de um Remake da
trilogia Rambo. A entrevista foi gravada e exibida nos dias 18 e 19 na
Globo DF (Fonte: Globo.com © 2000-2021 Globo Comunicação e Participações S.A.;
DF2 Jornalismo. Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/9617261).
Nessa mesma linha seguiu a
análise de também outro nosso Associado do IBSP, José Vicente da Silva Filho,
ex-Secretário Nacional de Segurança Pública (2002), falou ao Correio
Brasiliense sobre o que chamou de espetacularização do caso (Confira: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2021/06/4932067-cinco-perguntas-para-jose-vicente-da-silva-filho.html).
Vamos entender o caso; Lázaro
Barbosa (33), no momento é investigado e procurado pelo assassinato de 4
pessoas da mesma família (pai, mãe e 2 filhos adultos), ocorrido no dia 09 de
junho de 2021 em Ceilândia (DF). Mas o "Caso Lázaro” me provoca – e eu gostaria
de abrir uma outra reflexão mais estrutural – sobre uma questão pontual de
nossos sistemas judiciário e penitenciário do país.
A trajetória criminosa de
Lázaro começa aos seus 19 anos de idade,
com um homicídio na Bahia no ano de 2007, seguido por série de roubos e um
estupro em Brasília em 2009, que o levaram ao Complexo Penitenciário da Papuda,
no Distrito Federal, até que, em 2016, ele foi dado como foragido, por não
retornar de uma saída temporária; em 2018, Lázaro foi recapturado e
novamente preso em Águas Lindas de Goiás, mas logo em seguida fugiu
(23/07/2018), até que, poucos dias após (31/07), foi avistado, perseguido, por
policiais militares do Grupo de Patrulhamento Tático e fugido numa motocicleta,
não sem antes trocar tiros com a polícia.
Procurado desde então, em
2020, mais uma vez Lázaro é apontado como suspeito do assassinato, a golpes de
machado, de um idoso no estado de Goiás, sem, contudo, ser preso.
É só agora, com o episódio do
brutal assassinato de toda uma família (Cláudio Vidal, de 48 anos, Cleonice
Marques, de 43 anos, e seus dois filhos, Gustavo Marques Vidal, de
21, e Carlos Eduardo Marques Vidal, de 15) que nosso Lázaro chamou a
atenção de todo o país, não faltando os que indevidamente o apontam como como Serial
Killer e, ainda, os que suscitam a hipótese descabida de que ele seja um
psicopata, coisa superada, porque se o fosse isso já lhe teria beneficiado nos
processos anteriores e ele teria sido declarado inimputável e submetido à
internação (medida de segurança).
Lázaro é, na verdade, um de
tantos outros violentos criminosos habituais, que obtém benesses legais que,
sem critério ou sem a necessária análise dos sistemas judicial e penitenciário,
são concedidas durante a execução da pena, como é o caso – especialmente – das saídas
temporárias.
Vejamos como a Lei de
Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984) regula a Saída
Temporária, popularmente conhecida por "Saidinha” e, às vezes,
indevidamente confundida com o Indulto.
Vamos começar descartando o
emprego incorreto do termo indulto (de Natal, Dia das Mães etc.); o Indulto
é uma causa de extinção da punibilidade, pela qual se beneficia um ou mais
condenados, que estejam cumprindo pena após devidamente condenados – ou mesmo
antes de iniciarem seu cumprimento – concedida por ato exclusivo do Presidente
da República por meio de um Decreto, tal como previsto no inciso XII do artigo
84 da Constituição Federal: Compete privativamente ao Presidente da
República: ... conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário,
dos órgãos instituídos em lei; historicamente esses decretos ocorrem às
vésperas do Natal, tal e qual a tradição Romana, que levou a libertação de
Barrabás.
O indulto, portanto, apaga a
pena (totalmente ou a parte remanescente da pena a cumprir; nesse caso é
chamado de comutação da pena) e pode ser individual (quando é chamado de
graça) ou coletivo (que mais comumente ocorre).
Já a saída temporária –
forma pela qual Lázaro saiu da prisão – não é mecanismo de perdão do condenado,
mas sim uma política criminal, estabelecida pela Lei de Execução Penal (1984),
a partir de regras previstas no seu artigo 122 e seguintes, dirigida
exclusivamente aos que cumprem pena no regime semiaberto e com três finalidades
específicas: visita à família e frequência a curso (supletivo
profissionalizante, 2º grau ou superior) ou, finalmente, para a participação
em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
A lei estabelece que essas saídas
temporárias não ultrapassarão 7 dias e que poderão ser renovadas por até 4
vezes durante o ano, mas desde que o preso tenha comportamento carcerário
adequado, haja cumprido no mínimo um sexto da pena (se for primário, porque se
for reincidente será exigido um quarto) e, por fim, que haja compatibilidade do
benefício com os objetivos da pena.
Vale destaque nesta nossa
abordagem, que somente a partir do Pacote Anticrime de 2019 é que se
proibiu o benefício da saída temporária àqueles que cumprem pena por crimes
hediondos com resultado morte, outrora também beneficiados...
Talvez Lázaro tenha se
levantado para nos mostrar, por sua história de vida e obra, que é pela porta
da frente, nessas corriqueiras saídas temporárias, que uma legião de criminosos
condenados, ao longo de todos os anos, venham sendo despejados – sem qualquer
vigilância policial – no meio da sociedade, e que talvez seja hora de
repensar essa medida de política criminal...