Não é de agora, mas com o surgimento das redes sociais e outras ferramentas digitais, se potencializou aquilo que especialistas do mundo ciber e da psicologia chamam de "Stalking”
Até agora, pouco as
vítimas poderiam fazer diante dessa forma de perseguição acintosa a uma pessoa,
causando-lhe tormento ou incômodos persistentes e sistêmicos, seja
presencialmente, por telefone ou mesmo pelas redes digitais, mas agora passou a
ser crime e é preciso que se saiba.
Antes disso, essas
investidas tormentosas poderiam, quando muito, ser consideradas uma mera
contravenção penal ou um ilícito de natureza civil causador de dano moral; em
se tratando de contravenções, é forçoso reconhecer que pouca atenção e resposta
a polícia judiciária, o ministério público e o judiciário dão a esses chamados
"delitos anões” (nani delicti, no jurisdiquês); de outra banda, quando
se fala em "danos morais”, o judiciário vem, cada vez mais, dando sentenças
pela improcedência de muitos pedidos, sob o argumento de que não passariam de "meros
dissabores normais e próprios do convívio social”, que "não são
suficientes para originar danos morais indenizáveis”.
Resultado: em regra, a
vítima fica absolutamente desassistida, desprotegida e, por vezes, acaba por
fazer "justiça” com as próprias mãos (o que é crime de "Exercício Arbitrário
das Próprias Razões”, previsto no artigo Art. 345 do Código Penal: "Fazer
justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima”).
Enfim, uma odiosa inversão de valores na vida real...
Pois bem, foi no ano de
2019, que a Senadora Leila Barros, do PSB do Distrito Federal, apresentou o Projeto
de Lei nº 1.369, propondo a criação do crime de "perseguição” ("Stalking”,
como o chamam os de língua inglesa), a ser incluído no Código Penal
originalmente nos seguintes termos: "Art. 149-B. Perseguir ou assediar outra
pessoa, de forma reiterada, por meio físico, eletrônico ou por qualquer meio,
direta ou indiretamente, de forma a provocar-lhe medo ou inquietação ou a
prejudicar a sua liberdade de ação ou de opinião. Pena - detenção, de seis
meses a dois anos, ou multa”.
Nas palavras do Senador
Rodrigo Cunha, do PSDB de Alagoas, Relator do Projeto no Senado, "Em
diversos outros países o "stalking” também é crime, a exemplo da França,
Itália, Alemanha, Índia, Holanda, Canadá, Portugal, bem como no Reino Unido”.
Originalmente, o projeto previa que a pena poderia ser aumentada em até a
metade, quando houvesse o concurso de mais de três pessoas ou se houvesse o
emprego de arma, e seria de 01 a 03 anos de detenção, caso o autor tivesse sido
ou fosse íntimo da vítima. O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição
e Justiça do Senado e seguiu para revisão da Câmara dos Deputados.
Na Câmara dos Deputados,
o projeto foi relatado com parecer favorável pela deputada Shéridan Esterfany
Oliveira de Anchieta, do PSDB de Roraima, que é psicóloga de formação, e
recebeu emenda da deputada Professora Dorinha Seabra Rezende, do DEM de
Tocantins, com o objetivo de revogar o artigo 65 da Lei das Contravenções
Penais, além de outra emenda, apresentada pelo deputado Fábio Trad, do PSD do
Mato Grosso do Sul, propondo aumentar a pena para reclusão, de um a quatro anos;
ambas emendas foram aprovadas pela relatora e pelo plenário da Câmara dos
Deputados.
Em nosso ponto de
vista, bem-vinda a emenda apresentada pela deputada Professora Dorinha, porque o
novo crime poderia conflitar com a contravenção penal de "Perturbação da
tranquilidade”, assim prevista desde 1941: "Molestar alguém ou perturbar-lhe
a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena - prisão simples, de
quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis”.
Todavia, não vejo com bons olhos o aumento de pena proposto pelo deputado Fábio
Trad, que geraria uma desproporção entre a pena desse novo crime em relação a
outros muito mais graves; também bem-vinda a recolocação topográfica do novo
crime como um novo artigo 147-A no Código Penal e não 149-B, como proposto pelo
Senado. Finalizado o processo legislativo na Câmara dos Deputados, em 10 de
dezembro de 2020 o então Presidente, Rodrigo Maia, em razão dessas alterações
propostas, devolveu o projeto ao Senado, para análise final.
De volta ao Senado, durante
a votação em plenário, no dia 09 de março de 2021, o senador Paulo Rocha,
representando a liderança do PT, propôs
que a pena prevista para o novo crime voltasse a ser fixada entre 6 meses a 2
anos de detenção, como inicialmente prevista pela autora do projeto, a Senadora
Leila Barros, e não de 1 a 4 anos como proposto pelo deputado Fábio Trad na
Câmara dos Deputados [boa medida; aos nossos olhos] e, assim, no dia 31 de
março foi sancionada a Lei nº 14.132, publicada em 01 de abril de 2021, com a
seguinte redação final: "Art. 147-A.
Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a
integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção
ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou
privacidade. Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. § 1º
A pena é aumentada de metade se o crime é cometido: I – contra criança,
adolescente ou idoso; II – contra mulher por razões da condição de sexo
feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código; III – mediante
concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma. § 2º As penas
deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência. § 3º Somente
se procede mediante representação. Art. 3º Revoga-se o art. 65 do Decreto-Lei
nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais)”.
Outra questão de ordem
prática interessante para as vítimas nos casos de "Stalking”
(perseguição), é buscar em juízo (não na polícia) a fixação de medidas
protetivas em favor da vítima seja ela homem ou mulher (hetero ou homossexual);
nesse sentido, em 2020, a juíza Danielle Galhano Pereira da Silva, do Foro da
Mulher Brasileira, em São Paulo, antes mesmo do advento da nova lei, já havia
concedido medida protetiva em caso de "Stalking” contra mulher.
Ainda mais uma dica
importante, em se tratando de mulher vítima de "Stalking”: o artigo 19
da Lei Maria da Penha é específico para garantir as medidas protetivas de
urgência "sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem
ameaçados ou violados.”); e veja-se que a Lei Maria da Penal (Lei nº 11.340),
desde 2006 já define como violência psicológica "qualquer conduta que lhe
cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e
perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização,
exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe
cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.
Outra questão que
merece destaque também de ordem prática: quando o "Stalking” não tem
como vítima criança, adolescente, idoso, mulher (por razões da condição de sexo
feminino) e também quando não é praticado em cumplicidade por duas ou mais
pessoas ou, mesmo que por uma só, mas com o emprego de arma, o crime é
tecnicamente chamado de "forma simples”, com uma pena máxima de 2 anos
de detenção, o que se lhe faz enquadrar no conceito jurídico de "infração
penal de menor potencial ofensivo” (aquelas cuja pena é substituída, em
regra, pelas "cestas-básicas”); mesmo assim, a reparação civil pelos danos
morais deverá acontecer no próprio Juizado Especial Criminal, desde que a vítima
manifeste interesse (representação) na persecução penal (seguir adiante contra
o autor do "Stalking”) e aceite proposta de acordo franqueada pelo juiz.
Finalmente, vale o
conselho: como os casos de "Stalking” sempre envolvem questões complexas
de ordem cível (familiar, conjugal, extraconjugal, reparatória de dano moral
etc.) e agora também criminal, sempre é recomendável a orientação, caso a caso,
de um Advogado, mas creio que essas dicas sejam proveitosas ao nosso seleto
público leitor e até mesmo para nossos colegas.