Passados mais de 6 anos, desde o 4 de agosto de 2015, quando o então presidente do Senado, José Renan Vasconcelos Calheiros (MDB-AL), encaminhara para a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei do Senado nº 477, de 2015, no último 12 de agosto deste ano (2021) a matéria foi aprovada para criar a chamada Federação de Partidos.
A ideia surgira pelo relator da Comissão
da Reforma Política do Senado Federal, Romero Jucá (MDB/RR), e pretendia alterar
a Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096, de 1995) para permitir que partidos
se reunissem, se constituíssem e se registrassem no Tribunal Superior Eleitoral
e, a partir daí, passassem a atuar como se fossem uma única agremiação
partidária em federação.
Tudo corria bem nos últimos dias,
até o presidente Jair Bolsonaro vetar o projeto em 08 de setembro, apresentando
a seguinte razão: A despeito da boa intenção do legislador, em que pese as
regras específicas que buscariam conferir mais estabilidade para a federação
partidária, a referida proposição contraria o interesse público, visto que
inauguraria um novo formato com características análogas à das coligações
partidárias. A vedação às coligações partidárias nas eleições
proporcionais, introduzida pela Emenda Constitucional nº 97, de 4 de outubro de
2017, combinada com as regras de desempenho partidário para o acesso aos
recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão
tiveram por objetivo o aprimoramento do sistema representativo, com a redução
da fragmentação partidária e, por consequência, a diminuição da dificuldade do
eleitor de se identificar com determinada agremiação. Assim, a possibilidade da
federação partidária iria na contramão deste processo, o que contraria
interesse público.
E veio bem o veto presidencial
contra esse novo monstrengo, que se assemelha às coligações partidárias; de fato
– dizem até mesmo os analistas políticos antibolsonaristas – o fim das coligações
partidárias, operado pela Emenda Constitucional nº 97, antes mesmo da
chamada Reforma Eleitoral de 2019 (Leis 13.877 e 13.878), teria
enterrado essa excrecência própria do sistema eleitoral brasileiro, pela qual
legendas se uniam simplesmente no período eleitoral, para aumentar seu tempo de
propaganda eleitoral e as chances de os caciques das legendas de aluguel obterem
maiores chances de ocuparem uma das cadeiras nas casas legislativas (exceto
Senado). Era um algo para especialistas, que traçavam estratégias por expectativas
de desempenho nas urnas, a partir de especulações balizadas pelo conhecido recall
(quantidade de votos do candidato nas eleições anteriores), seguidas por intricados
cálculos matemáticos de quociente eleitoral, quociente partidário e das sobras
de votos; um exercício de premonição capaz de dar inveja a economistas,
investidores do mercado de capitais e, até mesmo, astrólogos, como o guru
verborrágico Olavo de Carvalho.
Ainda assim – e isso merece
destaque – a Emenda Constitucional nº 97, de 4 de outubro de 2017, pois fim às
coligações partidárias tão somente nas eleições proporcionais (disputa
para as Casas Legislativas, exceto Senado), mas elas ainda são permitidas para
as eleições majoritárias, nas quais são eleitos senadores e chefes do Poder
Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos).
Postos os pingos nos is –
uma coisa (coligações) é uma coisa; outra coisa (federações) são outra coisa –
e em que pesem as razões adotadas pelo presidente da República para vetar o
surgimento das federações de partidos, no dia 27 de setembro reuniram-se a
Câmara dos Deputados e o Senado Federal em Congresso Nacional, sob a
presidência do Senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), para avaliar o veto presidencial...
Aqui vale mais uma explicação,
sem tom professoral: para a rejeição do veto é necessária a maioria absoluta
dos votos de Deputados e Senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos
de senadores, computados separadamente, ainda que a deliberação se dê em sessão
conjunta; se não for obtida a maioria absoluta em ambas as Casas, o veto é
mantido, do contrário ele é rejeitado (no jargão político: derrubado o veto).
No caso do projeto das federações
de partidos, o veto acabou sendo derrubado pelo voto de 45 Senadores,
contra 25 que o mantinham; 353 foram os Deputados Federais que optaram por derrubar
o veto, contra 110, que concordavam com as razões invocadas pelo presidente
da República para rejeitar a ideia da Federação de Partidos.
Surge, então, em 28 de setembro
de 2021, pela nova Lei nº 14.208, o novo monstrengo: a federação de partidos.
É interessante analisar o
processo legislativo e ver que, do partido que elegeu Jair Bolsonaro – o PSL – votaram
contra o veto presidencial e a favor da Federação de Partidos os Deputados
Federais paulistas Abou Anni, Bozzella, Coronel Tadeu, General Peternelli e Joice
Hasselmann, enquanto se mantiveram alinhados com o presidente, rejeitando a
Federação de Partidos, os Deputados Federais pesselistas Carla Zambelli, Eduardo
Bolsonaro, Guiga Peixoto e Sua Alteza Luiz Philippe de Orleans e Bragança;
os 3 senadores paulistas (Giordano, José Anibal e Mara Gabrilli) optaram por derrubar
o veto e aprovar a Federação de Partidos.
Se fizermos um recorte partidário
sobre essa votação, veremos que as bancadas se dividiram internamente e a
unanimidade pela rejeição à ideia de Federação de Partidos somente aconteceu na
bancada do Partido NOVO, enquanto a unanimidade no sentido oposto veio das
bancadas do PSOL, PT, PTB, PV, Patriota e Republicanos; no PSL (partido que
elegeu Jair Bolsonaro), dos 51 Deputados, 20 votaram contra o veto
presidencial, entre eles estranhamente o ex-líder do governo na Câmara,
Deputado Major Vitor Hugo...
Mas que vantagem Maria leva com
esse novo monstrengo? Melhor ainda: a federação de partidos seria mesmo
um monstrengo?
Vamos beber da fonte: o
ex-Senador Romero Jucá (MDB/RR), relator da Comissão da Reforma Política do
Senado Federal (2015); justificava ele e explicava que uma coisa é uma coisa
e outra coisa é outra coisa, bem assim:
Diferentemente das coligações,
cuja constituição se encerra no momento da proclamação dos eleitos, as
federações de partidos mantêm compromisso com o exercício do poder político compartilhado
no Parlamento, por parte dos partidos que a integram. Federações de
partidos precisam mostrar identidade programática, registro na Justiça
Eleitoral e, na forma proposta, vínculo de ao menos quatro anos. Para preservar
o compromisso com o prazo de filiação à federação são estabelecidas sanções aos
partidos que descumprirem essa regra. Se o partido solicitar sua desfiliação
antes do prazo de quatro anos perderá o direito ao programa partidário no
semestre seguinte e ficará proibido de participar de outra federação ou
participar de coligação nas duas eleições seguintes, além de estar sujeito a
outras penalidades.
Ainda assim, como sou brasileiro
– e por isso não desisto nunca (mas desconfio sempre) – fico tentado a
pensar que a tal vantagem que Maria leva seja driblar a regra da
cláusula de barreira que, segundo analistas, atingiu gravemente no bolso (entenda-se: fundo partidário) a
maioria das legendas.
Esse fantasma (cláusula de
barreira), que surgiu com a Emenda Constitucional nº 97, passou a assombrar
mais da metade dos 33 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, desde
a sessão plenária ocorrida em 18 de dezembro de 2018, quando a Corte definiu
que passariam a ter acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda
eleitoral gratuita no rádio e televisão, tão somente os partidos que obtiveram
na disputa de 2018, no mínimo, 1,5% dos votos válidos para deputado federal,
distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de
1% dos votos válidos em cada uma delas; ou tiverem elegido pelo menos nove
deputados distribuídos em pelo menos um terço dos estados; era o pega prá
capa, porque esses percentuais de desempenho são elevados a cada eleição
(2% em 2022, 2,5% em 2026 e 3% em 2030)...
Isso é só o começo para entender
por que legendas partidárias se fundiram e por que agora se aprova o monstrengo
da federação de partidos... Também dá para entender o porquê de PSOL,
PT, PTB, PV, Patriota e Republicanos, à unanimidade, derrubarem o veto à
federação de partidos, ao lado do PT, que certamente pretende liderar uma
aliança (federação) dos partidos de esquerda... Interessante é a fala já antiga
(21/02/21) de Eduardo Ribeiro, presidente do Partido NOVO, que parece explicar
o também porquê de haver o partido, meses após, haver votado pela manutenção do
veto presidencial à federação de partidos:
Eu acho que ela (cláusula de
barreira) é uma tentativa de corrigir justamente a distorção causada pelo
financiamento público de campanha. Hoje temos fundo partidário e fundo
eleitoral na casa de bilhões e isso fomenta a criação de siglas, pois virou um
negócio vantajoso. O Novo sempre abriu mão do fundo partidário e do fundo
eleitoral e vamos seguir assim. (Fonte: Gazeta do Povo. Wesley
Oliveira, 21/02/2021).
Ora, como não concluir: a verdade
está no fundo...