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Azor Lopes da Silva Júnior

Advogado, professor universitário e jornalista


AS FACES DA VERDADE E O MURO DA SEPARAÇÃO: LIVRE OPINIÃO?

Por: Azor Lopes da Silva Júnior
25/05/2021 às 17:00
Azor Lopes da Silva Júnior

É livre a manifestação do pensamento, como também é livre e independente de licença, e mais ainda, proibida qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, toda forma de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, compondo preciosos direitos fundamentais na Constituição brasileira.

One of essential elements of na impartial press in the United States is the "wall of separation” between the editorial pages and the pages devoted to the News. While the political beliefs of newspaper owners and editors are clearly articulated on opinion pages, their views are not supposet to infiltrate the roporting of the News. (KAHN, Kim Fridkin; KENNEY, Patrick J. The slant of the News. Americam Political Science Review, v. 96, n. 2, june 2002).

 

Mas meu foco aqui são os limites que a própria Constituição estabelece, porque muito se fala em direitos sem dar a mesma atenção aos correspondentes deveres.

O destaque aqui é em torno de uma série de espaços abertos à manifestação de opiniões, desde a imprensa convencional, a arte, a ciência, mas especialmente o das redes sociais; seria inócuo tentar opor barreiras ao livre pensar, mas elas existem quando se fala no manifesto, na exteriorização desse livre pensar.

Acontece que, a cada um desses direitos fundamentais também corresponde um "dever fundamental”; veja-se que o anonimato é textualmente proibido pela mesma Constituição, ao mesmo tempo, em que é assegurado o direito de resposta e a indenização por dano material, moral ou à imagem daquela pessoa que é afetada pelos eventuais excessos no exercício dessas liberdades de expressão do pensamento.

O mesmo ocorre com relação aos variados conteúdos e canais para a expressão do intelecto, das artes, da ciência e, aqui com especial destaque à informação, no campo da comunicação social, que não podem sofrer qualquer restrição ou embaraço à plena liberdade de informação jornalística sendo, ainda, resguardado o sigilo da fonte dessas informações jornalísticas, quando necessário ao exercício profissional; contudo, a Constituição põe como como limites: a inviolabilidade da intimidade, privacidade, honra e imagem das pessoas afetadas.

Sobre o chamado "sigilo da fonte”, no ano de 2015, num de meus artigos publicados pela Revista Jurídica CONSULEX, falei sobre o filme "As faces da verdade” (original em inglês "Nothing but the truth”, de 2008), que retrata o caso da Jornalista norte-americana Judith Miller, presa em 2005 por 85 dias, por ordem da Justiça Federal dos Estados Unidos da América, em razão de não revelar a fonte que lhe informava a identidade de um agente secreto da CIA, violando, assim, o Intelligence Identities Protection Act (1982), uma lei federal destinada a proteger a identidade dos agentes de inteligência daquele país.

No filme, o enredo destaca a Jornalista como uma heroína fiel aos princípios éticos de sua profissão, mas no mundo real as críticas mostravam outro lado; no Brasil, o jornalista Argemiro Ferreira apontava no caso de Miller uma reflexão de fundo ético sobre ligações espúrias e manipulações interesseiras; dizia ele que o vazamento da informação fora um conluio com Miller, que gozava de privilégios naquele espaço de poder, como forma de vingança da Casa Branca.

Agora, entre o "fato jornalístico” e a "opinião jornalística”, lembro-me de ter trazido, durante uma palestra no meio acadêmico (era num curso de Jornalismo), uma publicação do ano de 2002, da Revista "Americam Political Science Review”, em que os autores (Kim Fridkin Kahn e Patrick J. Kenney) diziam: "Um dos elementos essenciais de uma imprensa imparcial nos Estados Unidos é o ‘muro de separação’ entre as páginas editoriais e as páginas dedicadas às notícias. Embora as crenças políticas dos proprietários e editores de jornais sejam claramente articuladas nas páginas de opinião, suas opiniões não devem se infiltrar no repertório das notícias.

Um exemplo dessa transposição, do direito descambando para a quebra do dever, parece-me estar presente no ocorrido nos dias 15, 20, 21 e 23 de janeiro passado (2021), quando o professor doutor Conrado Hübner Mendes, da Universidade de São Paulo, também colunista da Folha de São Paulo, inicialmente publicou em sua conta pessoal no Twitter severas críticas ao atual Procurador-Geral da República, Antônio Augusto Brandão de Aras; as expressões usadas teriam sido:

"O Poste Geral da República é um grande fiador de tudo que está acontecendo. Sobretudo da neutralização do controle do Ministério da Saúde na pandemia. É gravíssima a omissão e desfaçatez de Aras”.

"Augusto Aras é a antessala do fim do Ministério Público Federal tal como desenhado pela Constituição, é também a própria sala da desfaçatez e covardia jurídicas”.

Teria o professor agido dentro dos limites da livre manifestação do pensamento assegurada a qualquer cidadão ou, em seu caso, sendo um acadêmico, estaria amparado pela liberdade intelectual? Mais ainda, sendo também "colunista” do prestigiado jornal "Folha de São Paulo”, haveria ainda mais uma amplitude desse direito, porque proibida a censura, permitindo-lhe escrever o que culminou por escrever, no dia 26 de janeiro, em sua coluna jornalística com o título que deu: "Aras é a antessala de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional”?

Aras reagiu e ofereceu queixa-crime contra o Mendes, acusando-o de praticar os crimes de calúnia, injúria e difamação, previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, agravados porque dirigidos contra funcionário público.

Nesse processo que tramita perante a Justiça Federal, Aras não ocupa a posição de Procurador-Geral da República, mas como qualquer cidadão, a de uma vítima de ofensa à sua honra íntima e reputação social, que poderia ter sido praticada por um artista dentro de sua obra literária, um intelectual dentro de um texto de opinião, um jornalista numa matéria da imprensa ou, até mesmo, um outro cidadão comum, em sua "livre manifestação do pensamento” nas abertas redes sociais.

Juridicamente, caluniar é imputar a alguém fato definido como crime (é preciso ter acusado falsamente alguém da prática de um ato que seja crime, caso contrário a ofensa não será calúnia, mas difamação ou injúria); difamar é ofender sua reputação social (daí porque é preciso que a ofensa chegue ao conhecimento de terceiros, caso contrário essa ofensa será injúria); injuriar, por sua vez, já é algo mais íntimo: é ofender a dignidade própria ou o decoro de uma pessoa (pode acontecer num mero diálogo privado, verbal ou digital, entre duas pessoas).

O mais grave desses crimes – a calúnia – é punida com pena de até 2 anos de detenção; todavia, quando dirigida a funcionário público e em razão de suas funções, essa pena sobre um aumento de um terço, passando a um máximo de 2 anos e quatro meses, o que afasta do conceito legal de infração de menor potencial ofensivo, mas ainda permite que o réu seja beneficiado com a suspensão condicional do processo, com o acordo de não persecução penal, com o sursis e, até mesmo, com a imposição de tão somente penas alternativas diversas da prisão.

Nas redes sociais, são frequentes abusos, subsequentes "bloqueios dos conteúdos” e, também, processos cíveis e criminais que terminam em condenações; finalmente, parece-nos certo afirmar que não há espaço para a censura de "fato jornalístico”, mas a "opinião jornalística” é outra coisa e pode resultar em responsabilização cível, pelo eventual dano moral, também criminal, a depender da vontade da vítima da ofensa.

Isso para não falar que ofensas reiteradas podem ser interpretadas como perseguição, tal e qual definido pela recente Lei nº 14.132, do último 1º de abril (2021), como crime de "Stalking”, inserido no artigo Art. 147-A do Código Penal; confira: "Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ... perturbando sua esfera de ... privacidade”.

Em tempos de amplos espaços de manifestação do pensamento, mais importante que se manifestar é o pensar, o refletir no plano da ética, e o agir na forma do Direito.






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