É livre a manifestação do pensamento, como também é livre e independente de licença, e mais ainda, proibida qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, toda forma de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, compondo preciosos direitos fundamentais na Constituição brasileira.
One of
essential elements of na impartial press in the United States is the "wall of
separation” between the editorial pages and the pages devoted to the News.
While the political beliefs of newspaper owners and editors are clearly
articulated on opinion pages, their views are not supposet to infiltrate the
roporting of the News. (KAHN, Kim Fridkin; KENNEY, Patrick J. The slant of the
News. Americam Political Science Review, v. 96, n. 2, june 2002).
Mas meu foco aqui são os limites que a própria
Constituição estabelece, porque muito se fala em direitos sem dar a mesma
atenção aos correspondentes deveres.
O destaque aqui é em torno de
uma série de espaços abertos à manifestação de opiniões, desde a imprensa
convencional, a arte, a ciência, mas especialmente o das redes sociais; seria
inócuo tentar opor barreiras ao livre pensar, mas elas existem quando se fala no
manifesto, na exteriorização desse livre pensar.
Acontece que, a cada um desses
direitos fundamentais também corresponde um "dever fundamental”; veja-se que o
anonimato é textualmente proibido pela mesma Constituição, ao mesmo tempo, em
que é assegurado o direito de resposta e a indenização por dano material, moral
ou à imagem daquela pessoa que é afetada pelos eventuais excessos no exercício
dessas liberdades de expressão do pensamento.
O mesmo ocorre com relação aos
variados conteúdos e canais para a expressão do intelecto, das artes, da ciência
e, aqui com especial destaque à informação, no campo da comunicação social, que
não podem sofrer qualquer restrição ou embaraço à plena liberdade de informação
jornalística sendo, ainda, resguardado o sigilo da fonte dessas informações
jornalísticas, quando necessário ao exercício profissional; contudo, a
Constituição põe como como limites: a inviolabilidade da intimidade,
privacidade, honra e imagem das pessoas afetadas.
Sobre o chamado "sigilo da
fonte”, no ano de 2015, num de meus artigos publicados pela Revista Jurídica
CONSULEX, falei sobre o filme "As faces da verdade” (original em inglês "Nothing
but the truth”, de 2008), que retrata o caso da Jornalista norte-americana
Judith Miller, presa em 2005 por 85 dias, por ordem da Justiça Federal dos
Estados Unidos da América, em razão de não revelar a fonte que lhe informava a
identidade de um agente secreto da CIA, violando, assim, o Intelligence
Identities Protection Act (1982), uma lei federal destinada a proteger a
identidade dos agentes de inteligência daquele país.
No filme, o enredo destaca a
Jornalista como uma heroína fiel aos princípios éticos de sua profissão, mas no
mundo real as críticas mostravam outro lado; no Brasil, o jornalista Argemiro
Ferreira apontava no caso de Miller uma reflexão de fundo ético sobre ligações
espúrias e manipulações interesseiras; dizia ele que o vazamento da informação
fora um conluio com Miller, que gozava de privilégios naquele espaço de poder, como
forma de vingança da Casa Branca.
Agora, entre o "fato
jornalístico” e a "opinião jornalística”, lembro-me de ter trazido, durante uma
palestra no meio acadêmico (era num curso de Jornalismo), uma publicação do ano
de 2002, da Revista "Americam Political Science Review”, em que os autores (Kim
Fridkin Kahn e Patrick J. Kenney) diziam: "Um dos elementos essenciais de
uma imprensa imparcial nos Estados Unidos é o ‘muro de separação’ entre as
páginas editoriais e as páginas dedicadas às notícias. Embora as crenças
políticas dos proprietários e editores de jornais sejam claramente articuladas
nas páginas de opinião, suas opiniões não devem se infiltrar no repertório das
notícias.”
Um exemplo dessa transposição,
do direito descambando para a quebra do dever, parece-me estar presente no
ocorrido nos dias 15, 20, 21 e 23 de janeiro passado (2021), quando o professor
doutor Conrado Hübner Mendes, da Universidade de São Paulo, também colunista da
Folha de São Paulo, inicialmente publicou em sua conta pessoal no Twitter
severas críticas ao atual Procurador-Geral da República, Antônio Augusto
Brandão de Aras; as expressões usadas teriam sido:
"O Poste Geral da República
é um grande fiador de tudo que está acontecendo. Sobretudo da neutralização do
controle do Ministério da Saúde na pandemia. É gravíssima a omissão e
desfaçatez de Aras”.
"Augusto Aras é a antessala
do fim do Ministério Público Federal tal como desenhado pela Constituição, é
também a própria sala da desfaçatez e covardia jurídicas”.
Teria o professor agido dentro
dos limites da livre manifestação do pensamento assegurada a qualquer cidadão
ou, em seu caso, sendo um acadêmico, estaria amparado pela liberdade
intelectual? Mais ainda, sendo também "colunista” do prestigiado jornal "Folha
de São Paulo”, haveria ainda mais uma amplitude desse direito, porque proibida
a censura, permitindo-lhe escrever o que culminou por escrever, no dia 26 de
janeiro, em sua coluna jornalística com o título que deu: "Aras é a
antessala de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional”?
Aras reagiu e ofereceu queixa-crime
contra o Mendes, acusando-o de praticar os crimes de calúnia, injúria e
difamação, previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, agravados
porque dirigidos contra funcionário público.
Nesse processo que tramita
perante a Justiça Federal, Aras não ocupa a posição de Procurador-Geral da
República, mas como qualquer cidadão, a de uma vítima de ofensa à sua honra
íntima e reputação social, que poderia ter sido praticada por um artista dentro
de sua obra literária, um intelectual dentro de um texto de opinião, um
jornalista numa matéria da imprensa ou, até mesmo, um outro cidadão comum, em
sua "livre manifestação do pensamento” nas abertas redes sociais.
Juridicamente, caluniar é
imputar a alguém fato definido como crime (é preciso ter acusado falsamente
alguém da prática de um ato que seja crime, caso contrário a ofensa não será
calúnia, mas difamação ou injúria); difamar é ofender sua reputação social (daí
porque é preciso que a ofensa chegue ao conhecimento de terceiros, caso
contrário essa ofensa será injúria); injuriar, por sua vez, já é algo mais
íntimo: é ofender a dignidade própria ou o decoro de uma pessoa (pode acontecer
num mero diálogo privado, verbal ou digital, entre duas pessoas).
O mais grave desses crimes – a
calúnia – é punida com pena de até 2 anos de detenção; todavia, quando dirigida
a funcionário público e em razão de suas funções, essa pena sobre um aumento de
um terço, passando a um máximo de 2 anos e quatro meses, o que afasta do
conceito legal de infração de menor potencial ofensivo, mas ainda permite que o
réu seja beneficiado com a suspensão condicional do processo, com o acordo de
não persecução penal, com o sursis e, até mesmo, com a imposição de tão somente
penas alternativas diversas da prisão.
Nas redes sociais, são
frequentes abusos, subsequentes "bloqueios dos conteúdos” e, também, processos cíveis
e criminais que terminam em condenações; finalmente, parece-nos certo afirmar
que não há espaço para a censura de "fato jornalístico”, mas a "opinião
jornalística” é outra coisa e pode resultar em responsabilização cível, pelo
eventual dano moral, também criminal, a depender da vontade da vítima da
ofensa.
Isso para não falar que
ofensas reiteradas podem ser interpretadas como perseguição, tal e qual
definido pela recente Lei nº 14.132, do último 1º de abril (2021), como crime
de "Stalking”, inserido no artigo Art. 147-A do Código Penal; confira: "Perseguir
alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ... perturbando sua esfera de ...
privacidade”.
Em tempos de amplos espaços de
manifestação do pensamento, mais importante que se manifestar é o pensar, o
refletir no plano da ética, e o agir na forma do Direito.