Quem não se lembra – e, ao se lembrar, não se emociona – do drama britânico dirigido por James Clavell e protagonizado por Sidney Poitier, lançado em 29 de outubro de 1967, tendo como música de tema, a obra de Don Black e Mark London To Sir with Love, na voz de Marie McDonald McLaughlin Lawrie (a loirinha de voz suave, Lulu)?
Ao mestre com carinho pode ser
considerado um clássico atemporal, porque retrata não só um choque de gerações
e costumes, mas o desafio de alguém que, da cátedra, se submete aos olhares e
ao juízo das novas gerações (quase sempre rebeldes e donas das novas verdades).
No filme esse conflito é temperado com outra questão de igual intensidade: a
discriminação racial.
Como não ficar com os olhos
mareados ao assistir repetidamente esse filme?
Como não voltar no tempo e buscar,
no fundo da memória, aquelas lembranças turvas de Dona Ofélia, a querida
primeira professora do ensino fundamental, no Grupo Escolar Voluntários de 32;
o professor de inglês Modesto, da EESG Pio X, e a professora de Língua
Portuguesa Maria Azem, do Instituto de Educação Monsenhor Gonçalves; o professor
de Direito Administrativo, Desembargador Alvaro Lazzarini, da Academia de
Polícia Militar do Barro Branco; o professor de Direito Civil, Juiz de Direito
Juvêncio Gomes Garcia, da Faculdade de Direito Riopretense; os professores Ibrahim
Hadad, Gentil Faria e a professora Maria Tereza Miceli Kerbauy, da Unesp...
Ainda hoje, as relações entre
professor e aluno são marcadas por paixões e os mesmos conflitos; quando me
iniciei na docência superior, no final dos anos 90, logo fomos surpreendidos
pela internet e o acesso (via modem 14 Kbps) a esse novo mundo; à época,
cheguei a publicar um artigo em revista científica (Revista Prática Jurídica,
ano I, número 8, Brasília: Editora Consulex, 2002) sobre as novas relações
entre professores e alunos nesse novo mundo digital, tanto porque, fui o
primeiro professor da Unirp a ter uma página pessoal no servidor daquela
pioneira faculdade de direito de nossa região.
De lá para cá, passados 23 anos
de docência, vimos surgir a internet via rádio, fibra óptica, wireless,
acompanhada dos novos computadores com tela plana, tela integrada,
Netbooks, Notebooks, até chegarmos aos Smartphones, com tecnologia 5G, e
aplicativos e websites que revelam desde as infames postagens em redes sociais
até os repositórios científicos mais qualificados; tudo na palma da mão do
professor e, também, do aluno...
A pandemia do COVID-19 levou as
relações do ambiente físico para o ambiente virtual; a modalidade de ensino à
distância (EaD), a bem da verdade, não seria novidade, apenas o canal de
comunicação: antes, na forma de material escrito, enviado por correspondência
do Instituto Universal Brasileiro, depois pelo Telecurso Segundo Grau, e hoje
pelos cursos realizados totalmente em ambiente virtual.
Se essa relação (professor-aluno)
já envolvia paixões e conflitos, por conta do choque de gerações, indubitavelmente
o acesso quase infinito ao conhecimento pela rede mundial de computadores
trouxe mais um complicador: o conhecimento fluído.
Num artigo bastante robusto, intitulado
Teoria das inteligências fluida e cristalizada: início e evolução, Patrícia
Waltz Schelini, professora da Universidade Federal de São Carlos, mostra bem os
estudos sobre Inteligência/Conhecimento Cristalizado e Inteligência/Raciocínio
Fluido (Disponível em: aqui ).
A questão gira em torno do fato de que uma espécie de inteligência (fluida) diminuiria
com o avanço da idade após a fase da adolescência, em contrapartida a chamada inteligência
cristalizada crescer em proporção inversa ao longo da vida adulta.
Pois bem, se temos jovens alunos
com elevada capacidade de inteligência fluida; e se esses jovens tendem a
buscar respostas rápidas oferecidas na palma da mão (Smartphones + Internet +
Google), como lidar com o natural declínio da capacidade de inteligência fluida
sem a contrapartida de estímulos à cristalização do conhecimento?
Como estimular o jovem à
descoberta de respostas pelo raciocínio elaborado por seu próprio cérebro e não
por um algoritmo construído por cérebro alheio ou por uma inteligência
artificial?
Como evitar a morte de nosso
pensar e do nosso refletir em busca de soluções de todos os problemas que
envolvem as relações do homem com o mundo natural, do homem com seus
semelhantes e do homem consigo mesmo?
Não só os músculos, mas também o
cérebro tem que ser exercitado; as sinapses não são espasmos musculares ou
reações do cerebelo ao sistema autômato. Não exercitado, o cérebro atrofia...
Não se trata aqui de rejeitar as
maravilhas que a tecnologia humana nos oferecem, mas de cultuar a inteligência
humana que as criou; a criatura (tecnologia) não pode matar o criador
(inteligência humana), tal e qual mostra a trilogia Matrix...
A tecnologia nos facilita o
acesso ao conhecimento, mas não nos faz apropriarmo-nos dele; com a facilidade
de acesso a saberes alheios, nosso trabalho é raciocinar sobre eles e criar os
nossos próprios; não basta uma googada...
Ainda vale pensar; ainda vale
sentir; ainda vale interagir, falando, ouvindo e refletindo sobre a realidade e
sobre os discursos acerca dessa realidade. Ainda vale decorar e entender a
tabuada apresentada pela Dona Ofélia; ainda vale compreender o presente
perfect do professor Modesto; ainda vale lembrar a lógica matemática das
regras de regência e concordância verbal da professora Maria Azem; ainda vale
decorar e entender os brocardos jurídicos do Doutor Juvêncio.
Ainda vale lembrar do mestre com carinho;
porque são as interações emocionais humanas e sua elaboração de raciocínios
lógicos é que constroem as grandes revoluções: as revoluções de ideias, que se
fazem com o conhecimento e não com armas.
Aos meus (outros tantos) mestres,
todo o meu carinho.