Algo bastante recorrente nos centros urbanos e que afeta não só a saúde pública, mas frontalmente a segurança pública, é a ocupação irregular de prédios que são deixados em situação de abandonados por seus proprietários.
Muito disso ocorre por conta
de sucessões hereditárias abertas, seguidos de inventários tumultuados, onde
não há consenso entre os herdeiros desses imóveis, que ficam sem os devidos
cuidados e, daí, os filhos de um outro problema de ordem social – a população
que vive em situação de rua – lentamente iniciam um processo de ocupação
irregular, sem oposição dos proprietários ou do administrador do espólio,
gerando problemas para a vizinhança e para a sociedade em geral.
Além de outras, uma segunda causa
desse estado de coisas é, por vezes, o interesse dos proprietários na mera
especulação imobiliária; nesses casos, prédios e áreas encravados nas zonas
urbanas são deixados ao léu, na espera de um investidor interessado na sua
compra para demolição e construção de um novo empreendimento.
Como se disse, o problema é
que a vizinhança passa a sofrer com os efeitos dessas invasões, porque, não
raro, esses prédios degradados se transformam em locais para consumo de drogas
e álcool, além de espaço, até mesmo, atividades sexuais, tornando-os um polo de
disseminação e contágio de doenças, além e de graves conflitos entre seus
habitantes que, não raramente, terminam em homicídios.
A questão merece ser encarada
por uma série de ângulos, mas jamais poderia ser objeto de esquiva pelas
autoridades públicas, tampouco pela sociedade; vale aqui lembrar que segurança
pública é dever do Estado, direito de todos, mas também responsabilidade de
ambos (Estado e sociedade), como está estampado na cabeça do artigo 144 da
Constituição Federal.
Neste artigo, meu foco é voltado
exclusivamente no campo do Direito – e não no da assistência social ou da saúde
pública – de sorte que não enfrentarei essas duas importantes questões, mas
apenas aquela mais visível e flagrante: a segurança social.
Chamar a polícia para resolver
esse problema não é o adequado; digo isso, porque, nesse problema, em geral a
ação policial ou será limitada ou será arbitrária; isso porque, a polícia não
terá poder legal para desalojar os invasores, senão nas raras hipóteses em que
a invasão esteja em flagrância delitiva e os invasores estejam agindo com uso
de violência física ou moral; o Código Penal somente trata esses casos como
crime – e chama Esbulho possessório – quando alguém invade, com
violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas
pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório
(Artigo 161, § 1º, II) e, seguramente, os chamados moradores em situação de rua,
em regra, vão ocupando esses espaços individual e lentamente, sem conluio entre
si para se tornarem possuidores; também em regra, o modus operandi deles
não é empregarem violência ou ameaça grave.
Bem verdade – se constatado
que ali eles estejam portando drogas ilícitas – isso configura crime; mesmo
assim, um crime que não enseja sequer a prisão em flagrante e cuja pena prevista
é a mera advertência sobre os efeitos das drogas (Artigos 28, I, e 48, §
2º, da Lei nº 11.343, de 2006, Lei de Drogas); e mais – se já não
bastasse –, quando se observa a ocorrência de mera embriaguez por álcool dentre
os invasores, como ainda previsto no artigo 62 da Lei das Contravenções Penais,
isso não é sequer considerado infração penal, senão quando eles causem escândalo
ou ponham em real e grave perigo a segurança própria ou de outros.
De tudo, quer me parecer, que
o caminho mais adequado à solução seja o apontado pelo Código Civil, quando
trata dos ditos Direitos de Vizinhança.
O Código Civil, em seu artigo
1.277, assegura ao proprietário ou possuidor de um prédio o direito de fazer
cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que
o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha e, mais
adiante, no artigo 1.280, lhe garante exigir do dono do prédio vizinho a
demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste
caução pelo dano iminente.
Como exemplos reais do uso
desses direitos e soluções bem acabadas, trago dois casos: um primeiro havido
na vizinha Araraquara e outro em São José do Rio Preto, ambos municípios do
interior noroeste paulista.
O primeiro foi julgado em 25
de abril de 2012 pelo Tribunal de Justiça, que reconheceu o chamado Dano
Infecto e assim decidiu: Arguição da autora de que o imóvel vizinho dos
réus se acha em completo estado de abandono, totalmente deteriorado, com
paredes em ruínas, apresentando vazamento de água que provoca infiltrações no
prédio lindeiro e com afundamento do corredor e da calçada. Laudo da lavra do
perito de confiança do Juízo da causa a atestar a veracidade dessas alegações.
Autores que, no aguardo do término do inventário e de partilha do bem,
simplesmente o abandonaram. Constatação, ademais, de invasão por desocupados
e viciados em drogas. Correto decreto de demolição e de consequente indenização
da autora pelos prejuízos materiais já experimentados. (Apelação nº
9000029-05.2008.8.26.0037).
No segundo caso, havido no ano
de 2012, graças à ação integrada de setores do poder público em São José do Rio
Preto e com a anuência do proprietário do imóvel, ocorreu a demolição, valendo
repisar o que fora publicado pela imprensa à época: A operação ‘Centro
Seguro’ pretende derrubar outros imóveis que servem de refúgio para criminosos.
A Polícia Militar fez um levantamento que em Rio Preto existem pelo menos 30
locais como este, que servem para abrigar usuários de droga e moradores de rua.
Metade dos imóveis fica na região central da cidade. ‘Temos todos os locais
mapeados e esperamos que os proprietários ajudem a resolver o problema, que
eles dificultem a entrada destas pessoas no local’, diz o major da Polícia
Militar, Luiz Roberto de Oliveira Vicente. (Fonte: G1 Rio Preto e
Araçatuba, disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2012/06/predio-utilizado-por-usuario-de-drogas-e-demolido-em-rio-preto-sp.html).
Mais que reclamar pelos
direitos é preciso exercê-los; isso é cidadania.