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Azor Lopes da Silva Júnior

Advogado, professor universitário e jornalista


Discurso de ódio, defesa de valores e crenças ou crime?

Por: Azor Lopes da Silva Júnior
03/11/2021 às 19:46
Azor Lopes da Silva Júnior

Decidiu o Supremo Tribunal Federal que A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, [...] desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio.

Mas o que seria discurso de ódio e qual a lei que tipificaria o crime de homofobia?

A defesa de valores sociais, fora do espaço teológico, seria criminalizada e considerada discurso de ódio?

O mesmo Supremo Tribunal Federal definiu que o chamado Discurso de Ódio engloba aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero. E mais, ainda: definiu que discursos de ódio homofóbicos ou transfóbicos devem ser enquadrados nos diversos tipos penais definidos na Lei nº 7.716/89 (Lei Antirracismo).

Dentre os mencionados diversos tipos penais (artigos que definem crimes) existentes nessa lei, o mais próximo de ocorrência e aplicabilidade seria o seu artigo 20, que sujeita o autor a uma pena de reclusão de 1 a 3 anos, na sua forma simples, e de 2 a 5 anos, na forma qualificada, quando é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, e assim é definido: Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Algumas questões jurídicas são inevitáveis na abordagem ao tema; os limites à liberdade de manifestação do pensamento, à liberdade de consciência e crença e à liberdade artística, intelectual, científica e de comunicação estariam atingidos pela decisão do Supremo Tribunal Federal, abrindo espaço para que cidadãos (especialmente aqueles que se declaram conservadores), líderes e fiéis religiosos, comunidade artística (em particular humoristas), membros das comunidades acadêmicas (intelectuais e cientistas) e a imprensa possam responder criminalmente pela expressão pública de suas convicções, fé, anedotário, pesquisas, teses e editoriais?

A resposta é não! Afinal, lida com atenção a decisão do STF fica evidente que a Corte definiu essa espécie de homofobia e transfobia discursiva tão somente quando dirigida a incitar a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero; não se trata, pois, de uma censura judicial a qualquer outra forma de expressão de ideias, como se propala aos quatro cantos, seja pelos ativistas e simpatizantes do antigo movimento GLS, evoluído para a moderna nomenclatura LGBTQIA+ ou LGBTQQICAPF2K+, ou por aqueles que definem conservadores.

O que se declara ilegal são os comportamentos que estimulam a discriminação, a hostilidade e a violência contra essa parcela [ainda] menor da sociedade e não a defesa de modelos culturais socialmente adotados pela [ainda] maioria heterossexual monogâmica. Tampouco parece haver na decisão da Suprema Corte, qualquer apologia a uma nova ordem de costumes, em detrimento do respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, estabelecido pelo artigo 221, IV, ou, relativamente às crianças e adolescentes, à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, estabelecido pelo artigo 227, § 3º, V, da Constituição Federal.

Noutras palavras, se disse não aos discursos de ódio, sem fazer apologia a qualquer forma diversa de expressão da sexualidade humana.

Tanto isso fica evidente, que o julgado assentou textualmente que: A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva.

É assente que a sexualidade é toda envolta em tabus, o que faz do tema um terreno minado difícil de ser encarado e transposto, não só pelos que professam costumes baseados em crenças religiosas, mas por todos nós; daí porque, geralmente é pela arte que a abordagem lúdica se mostra mais aceita.

Nesse campo, num julgado relativamente recente (STF. Habeas Corpus 83996-DF, julgado em 17 de agosto de 2004) o Ministro Gilmar Mendes, lembrando antigos julgados dos saudosos Ministros Aliomar Baleeiro e Evandro Lins e Silva, destacou que o conceito de obsceno, imoral, contrário aos bons costumes é condicionado ao local e à época. Inúmeras atitudes aceitas no passado são repudiadas hoje, do mesmo modo que aceitamos sem pestanejar procedimentos repugnantes às gerações anteriores; cuidava-se de uma peça teatral onde uma atora se masturbava num divã diante da plateia, o que gerou processo criminal por ato obsceno.

E parece-nos que nesse mesmo espaço de liberdade de expressão – ou de não ilicitude penal ou civil – se encaixa o humorismo, ainda que dirigido à satirização de qualquer forma de expressão da sexualidade; enfrentando esse tema (humor artístico), no mesmo Supremo Tribunal já houve ministro que parodiasse dizendo: Mas, vedar o humor? Isso é uma piada. Isso aconteceu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4451-DF, onde ficou registrado que O humor e o riso, bem por isso, são meios que denotam expressões reveladoras de verdadeira metáfora das liberdades. [...] são transformadores, são renovadores, são saudavelmente subversivos, são esclarecedores, são reveladores.

Restou então ali textualmente declarada a proteção ao humor, como uma forma de expressão artística que imuniza o meio pelo qual se expõe, seja ele o teatro, o cinema ou a televisão, e os meios de sua exposição, impedindo a responsabilização civil ou criminal dessa categoria de artistas.

Ainda assim, isso não pode ser entendido como um alvará judicial absoluto para o já bem definido discurso de ódio homofóbico; outro prudente indicador de limites ao próprio artista é o respeito à dignidade humana que, a despeito de se tratar de um conceito assaz impreciso, nossa particular consciência – a mais justa juíza de nossos atos – nos dá ferramentas para sondagem e julgamento a partir de um sincero exercício de empatia.

Talvez seja momento de os integrantes e simpatizantes do movimento LGBTQIA+, comunidades jurídica e artística, meios de comunicação social e sociedade civil demonstrarem mais respeitos uns aos costumes, valores e direitos dos outros, revelando uma verdadeira evolução humana em que se não simplesmente admita o diverso, mas que se lhe poupe de qualquer forma de imposição de costumes, seja pelas ditas maiorias às minorias, quanto destas àquelas.

Uma questão ainda ficou pendente: poderia o Supremo Tribunal em matéria penal substituir o legislador e criminalizar um comportamento indesejado sem que haja expressa disposição legal, criando um crime de homofobia?

Como Advogado e professor de Direito Penal há 23 anos digo que não; e sinto-me honrado em acompanhar o posicionamento da douta minoria do Supremo Tribunal Federal (Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli) que assim votou, em 13 de junho de 2019, na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26, respeitando o princípio constitucional da reserva legal (Art. 5º. XXXIX: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal), de tal sorte que descabido usar a Lei Antirracismo para definir como crime a homofobia, quando a lei não cuida desta forma de discriminação sendo clara: Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.






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