Nosso artigo de hoje se dirige especialmente a uma parcela dos leitores, que vinham sendo beneficiados com a isenção tributária, na compra de automóveis na categoria conhecida como PCD. Para os que não conhecem, a sigla PCD significa pessoa com deficiência.
São três as isenções
tributárias para Pessoas com Deficiência: uma federal, que isenta do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI), e outras duas estaduais; nos
Estados, essas isenções afastam o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
(IPVA).
Aqui, trataremos exclusivamente
do assunto no Estado de São Paulo, porque foi nele onde essas regras, sobre a
isenção tributária dirigida à categoria PDC, foram recentemente alteradas em
desfavor dos então beneficiados, gerando uma grande demanda judicial, que ainda
se arrasta e se arrastará por muito tempo.
Quanto ao imposto federal
sobre Produtos Industrializados (IPI) – que não é central nesse artigo – vale
dizer que, historicamente, o benefício da isenção tributária fora incluído na
Lei nº 7.613, de 1987, mas então exclusivamente dirigido às pessoas
portadoras de deficiência físico-paraplégica; foi adiante, em 1991, que se tentou
alargar os beneficiários, para incluir pessoas que, em razão de serem
portadoras de deficiência física, não [pudessem] dirigir automóveis
comuns; essa ampliação pretendida pela Lei nº 8.199, foi vetada pelo
presidente Fernando Collor, porém acabou sendo aprovada em 1995, com a Lei nº
8.989, que inicialmente permitia a isenção tributária do IPI por uma única
vez e, mais tarde, viria a Lei 10.690, de 2003, para, além de alargar o benefício para todas
as pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou
profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal
e, ainda possibilitar sucessivas compras de automóveis com isenção, desde
que o veículo anterior tivesse sido adquirido há mais de três anos; também esse
prazo de isenção na troca do veículo sofreria alterações: foi reduzido para 2
anos pela Lei nº 11.196, de 2005; em seguida aumentado para 4 anos pela Medida
Provisória nº 1.034, de 2021; e novamente fixado em 3 anos, pela vigente
Lei nº 14.183, de 2021.
De outra banda, no âmbito
estadual (aqui analisado e, tão somente, com foco no Estado de São Paulo), a isenção
do ICMS vem pela Lei nº 6.374, de 1989, que a concede somente no caso de veículo
automotor com adaptação e características especiais indispensáveis ao uso do
adquirente paraplégico ou portador de deficiência física, impossibilitado de
utilizar modelos comuns, enquanto a isenção do IPVA é concedida pela
Lei nº 13.296, de 2008, inicialmente beneficiando a aquisição de um único
veículo adequado para ser conduzido por pessoa com deficiência física, o
que, em 2017, seria ampliado para qualquer pessoa com deficiência física,
visual, mental severa ou profunda, ou autista, com o advento da Lei nº
16.498.
Ocorre que, em 15 de outubro
de 2020, estabelecidas novas medidas de ajuste fiscal e de equilíbrio das
contas públicas, foi aprovada, promulgada e publicada a Lei nº 17.293,
que restringiu a isenção do IPVA somente à pessoa com deficiência
física severa ou profunda que permita a condução de veículo automotor
especificamente adaptado e customizado para sua situação individual,
excluindo o benefício a milhares de contribuintes paulistas, o que acabou por
gerar várias demandas judiciais, dentre elas, duas Ações Civis Públicas, uma
proposta pelo Ministério Público (Processo nº 1001399-53.2021.8.26.0053)
e outra pela Defensoria Pública (Processo nº 1004428-14.2021.8.26.0053).
Sustenta a Defensoria Pública
paulista, que a nova lei teria ferido o princípio tributário da
anterioridade, enquanto o Ministério Público questiona a falta de isonomia
de tratamento das isenções no IPVA e aponta surgir, agora, uma discriminação
entre as deficiências; são, portanto, fundamentos bastante distintos aqueles
defendidos pelo Ministério Público, daqueles invocados pela Defensoria Pública.
Por seu lado – sabe-se lá se
suspeitando avanço do número de fraudes ou buscando ajuste fiscal
– a Fazenda Pública de São Paulo aponta que nos últimos quatro anos, o
número de veículos com isenção PCD cresceu de 138 mil para 351 mil,
enquanto a população paulista com deficiência teria crescido apenas 2,1%
(de 3.156.170 em 2016, para 3.223.594 pessoas em 2019), elevando de R$232
milhões para R$ 689 milhões o volume de recursos que deixaram de ser recolhidos
pelo Estado, nesses casos de isenção de IPVA às pessoas com quaisquer tipos de
deficiência, daí porque agora se conceder isenção do IPVA somente em se
tratando de veículo automotor especificamente adaptado e customizado para
sua situação individual. Na linha de raciocínio da Fazenda do Estado, a
persistir esse estado de coisas, restaria uma injustiça tributária reflexa, na
medida em que essas isenções imporiam tratamento desigual entre os
contribuintes em geral, aos quais se impõe o pagamento do tributo estadual.
O tal princípio da
anterioridade – fundamento jurídico em que se baseia a Defensoria Pública –
é o que proíbe seja cobrado um tributo no mesmo exercício financeiro (mesmo
ano) em que tenha sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou (é a chamada
anterioridade anual); cobrança que se proíbe, também, antes de passados
90 dias da publicação dessa lei (aqui é a chamada anterioridade nonagesimal);
ambas proibições têm fundamento no artigo 150, inciso III, alíneas "b” e "c” da
Constituição Federal.
Em resumo e em regra, um
imposto não pode ser cobrado no mesmo ano em que tenha sido criado e somente
valerá exigi-lo depois de 90 dias que publicada a lei que o instituiu. Fica
assim evidente, que a vontade do legislador constituinte foi de evitar que o
contribuinte se visse surpreendido, pela União, pelos Estados, Distrito Federal
e municípios, com encargos tributários impostos de última hora.
E bem por isso, essa é a tese
sustentada pela Defensoria Pública de São Paulo, apontando que, como a Lei
Estadual 17.293 foi publicada no dia 15 de outubro de 2020 e em 01 de janeiro
de 2021 se deu o fato gerador do
imposto (nesse caso, IPVA sobre automóveis anteriormente comprados com isenção
tributária), quando então passados apenas 78 dias e não aqueles 90 dias de
antecedência exigidos, resultanto descumprimento à anterioridade nonagesimal),
estabelecida pelo artigo 150, inciso III, alíneas b e c da
Constituição Federal.
No plano da argumentação
jurídica, a Fazenda do Estado sustenta que não haveria descumprimento à anterioridade
nonagesimal, porque, precedentes do Supremo Tribunal Federal já estão
assentados, no sentido de que a revisão ou revogação de benefícios fiscais não
estão presas à observância das regras de anterioridade tributária previstas na
Constituição, por se tratar de questão vinculada à política econômica, que pode
ser revista pelo Estado a qualquer momento; mais ainda, no caso específico do
IPVA, a Suprema Corte já tem expresso que a extinção ou a redução de um
desconto condicional para pagamento desse tributo pode ter efeitos imediatos.
Prevalecendo a tese sustentada
pela Fazenda Estadual, quanto a inexigência de respeito à anterioridade
nonagesimal para a extinção ou redução do IPVA, maiores chances de sucesso
teria a Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público paulista, tanto
porque, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo – ainda em sede de
liminar – que, de fato, a nova Lei Estadual nº 17.293 gera situação
aparentemente discriminatória entre os portadores de deficiência e, por essa
razão, ao menos por ora, determinou a suspensão do pagamento do IPVA, em
relação aos contribuintes portadores de deficiência que tinham isenção de
recolhimento no exercício de 2020; mas, aviso ao navegantes: essa decisão
pode ser revista no final do processo, porque, como o dissemos, ela foi
simplesmente uma medida liminar.
O que de fato a nova lei
exige, para a concessão da isenção do IPVA, é que o veículo automotor seja especificamente
adaptado e customizado para sua situação individual e, ainda, que sejam avaliados,
caso a caso, pela autoridade administrativa da Secretaria da Fazenda, o preenchimento
das condições e do cumprimento dos requisitos para sua concessão.
Até lá, é bom que o
contribuinte deixe seu dinheiro reservado (ou até pague o IPVA 2021), porque
alegria de pobre dura pouco – que não me digam de mau agouro ou maledicente
– se logo vier decisão final e cobrança do tributo, salvo se – perdoem-me,
ainda, pela ilação – as morbidades próprias da idade, de boa parte das
altas autoridades públicas, as tiverem feito beneficiárias dessa isenção; a
conferir...