Foi em fevereiro de 2020, depois de reconhecida pela ONU a pandemia do COVID-19
Veio a Lei Federal nº 13.979, dispondo sobre as medidas para seu enfrentamento e, assim, foram definidos legalmente os conceitos e limites de "isolamento” e "quarentena”; como "isolamento”, o seu artigo 2º disse que seria a "separação de pessoas doentes ou contaminadas, [...], de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus”, enquanto que a "quarentena” seria a "restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes [...], de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus”.
Mas não foi só isso; o artigo 3º da lei deixou claro que "As medidas [...], quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais”.
Acontece que a pandemia, além de ser ideologizada, também foi judicializada, a ponto de, em 15 de abril de 2020, dentro da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.341, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), ao longo de 147 páginas redigidas pelo o Ministro Edson Fachin (sim, aquele que acabou com a "Lava-Jato”), bateu o martelo nestes termos: "As regras constitucionais não servem apenas para proteger a liberdade individual, mas também o exercício da racionalidade coletiva, isto é, da capacidade de coordenar as ações de forma eficiente. [...] O pior erro na formulação das políticas públicas é a omissão, sobretudo para as ações essenciais exigidas pelo art. 23 da Constituição Federal. É grave que, sob o manto da competência exclusiva ou privativa, premiem-se as inações do governo federal, impedindo que Estados e Municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais.”.
Merece ser destacado que o Ministro Marco Aurélio, relator original do caso, não só discordou, mas deixou registrada sua crítica ao Supremo pelo desrespeito às regras constitucionais, nas seguintes palavras: "Tendo em conta a Constituição Federal, que a todos, indistintamente, submete, inclusive o próprio Supremo, que é dela o guarda maior”; e ainda insistiu na questão técnica: [...] Não se trata de previsão quanto à edição de leis. Segue-se o artigo 24, e então, sim, versa-se a atribuição normativa, sem alusão aos Municípios, que, a teor do disposto no artigo 1º – todos sabemos –, integram a Federação”.
E foi a partir daí que Estados – como também os municípios – ousaram ir mais além: determinar o chamado "Lockdown”, para limitar inconstitucionalmente a liberdade de locomoção e de trabalho, para além do que estabelece a Lei Federal nº 13.979, de 2020; esse "Lockdown” nada mais é, portanto, que um Estado de Sítio decretado por quem não tem competência constitucional para fazê-lo; simples assim...
É o que se vê agora mais recentemente, quando o Tribunal de Justiça de São Paulo deu razão ao Município de São José dos Campos contra o Decreto Estadual nº 64.994 (Plano São Paulo), que colocava o município em fase mais restritiva, sem que nele a ocupação de leitos de UTI por COVID19 tivesse superado 75%, violando as fórmulas do próprio "Plano São Paulo” e matando a autonomia municipal, estabelecida no artigo 30, inciso I, da Constituição da República; porém, insatisfeito com a decisão do Tribunal paulista, o Governo de São Paulo foi ao STF, ajuizando medida cautelar, na Suspensão de Liminar nº 1.429, e acabou vencendo... E agora, há poucos dias (08 de março de 2021), o STF restabeleceu a plena eficácia do Decreto Estadual nº 65.545/2021, expedido pelo Governador do Estado de São Paulo, e o Município de São José dos Campos perdeu a batalha...
Por isso, venho dizendo que estamos – mais que nunca – em uma pandemia jurídica e, isso porque o próprio Ministro Alexandre de Moraes já tinha decidido em sentido absolutamente contrário, quando no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 672, em outubro de 2020, afirmou: "Em relação à saúde e assistência pública, a Constituição Federal consagra a existência de competência administrativa comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23, II e IX, da CF), bem como prevê competência concorrente entre União e Estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, XII, da CF), permitindo aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, desde que haja interesse local (art. 30, II, da CF)”; e, noutro caso, em abril do ano passado, disse mais Alexandre de Moraes, quando relator da Reclamação nº 42.591 (de Minas Gerais): "o Tribunal de origem, ao impor as normas estabelecidas no âmbito estadual aos municípios, acabou por esvaziar a competência própria dos municípios do Estado de Minas Gerais para dispor, mediante decreto, sobre o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais durante o período de enfrentamento da pandemia”.
Não vou aqui dizer o óbvio (que entre a vida e a economia mais vale a vida); também não vou concordar que seria melhor morrer a perder a liberdade, porque quem faz esse discurso acaba por voltar atrás e, se colocado realmente nesse impasse, preferiria viver, ainda que preso... Mas digo que, limitar as liberdades fora das regras constitucionais, é fazer retornar o AI-5; é submeter a sociedade a um desmando próprio das ditaduras a pretexto de cuidar da vida do povo (coisa que mal e porcamente o Estado fez ao longo dos tempos).
De outro lado, se a sociedade entende que o Presidente da República vem sendo omisso, que o submetam ao devido processo de Impeachment, o que não é novidade no Brasil; mas não rasguem a Constituição Cidadã e não restabeleçam qualquer tipo de Estado Autoritário!