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Azor Lopes da Silva Júnior

Advogado, professor universitário e jornalista


O DIREITO E OS DITOS: "QUEM CALA CONSENTE” mas, "PAU QUE BATE EM CHICO BATE EM FRANCISCO”...

Por: Azor Lopes da Silva Júnior
17/05/2021 às 18:34
Azor Lopes da Silva Júnior

No dia 18 de maio de 2021, as atenções do mundo político brasileiro estarão mais uma vez voltadas para a "CPI da Pandemia”, quando se colherá o depoimento do ex-Ministro da Saúde, o General de Divisão Eduardo Pazuello, atualmente adido à Secretaria-Geral do Exército.

Por mais que se diga que "quem cala consente”, também se diz que "pau que bate em Chico, também bate em Francisco”, assim, "para quem entende, um pingo é letra” e daí, resta a reflexão sobre um último dito popular brasileiro, de duvidoso rigor ético: "Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não sabe da arte”.


Neste artigo, nosso foco será sobre os controvertidos poderes de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e os direitos resguardados aos depoentes, em destaque aqui, o ex-Ministro Pazuello, tal e qual restou decidido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, em sede de Medida Cautelar, concedida no dia 14 de maio de 2021, dentro do Habeas Corpus nº 201.912.

Pois bem, diz a Constituição Federal, por seu artigo 58, § 3º: "As comissões parlamentares de inquérito, ... terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais ..., para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”; um primeiro ponto a se chamar à reflexão crítica é a de que o modelo processual adotado pelo Brasil é o chamado "Sistema Acusatório”, onde o juiz não detém qualquer poder de investigação.

A investigação em nosso país sempre ficou nas mãos das polícias e do ministério público, daí porque alguns juristas críticos irem buscar no antigo modelo processual italiano a explicação da origem desse erro do constituinte ("poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”); na Itália, com a reforma processual de 1989 (veja-se: curiosamente 1 ano após proclamada nossa Constituição), desapareceu a figura do Juiz de Instrução (o "Giudice Istruttore”), adotando-se lá, tal qual aqui ao longo de toda nossa tradição, o sistema acusatório, onde o juiz não investiga – mas somente julga – e não investiga, para poder julgar com a máxima imparcialidade.

Superada essa questão, voltemos ao foco dos poderes dessas Comissões Parlamentares de Inquérito. Note-se que, até mesmo no processo judicial, o poder de condução coercitiva, por vezes cobiçado pelas CPIs e previsto no artigo 260 do Código de Processo Penal ("Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.)”, já não mais existe, isto porque foi declarado incompatível com a Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal, quando, em 14 de junho de 2018, do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 444, nos seguintes termos: "Arguição julgada procedente, para declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, tendo em vista que o imputado não é legalmente obrigado a participar do ato, e pronunciar a não recepção da expressão "para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP”; bem certo que isso vale tão somente para os acusados, sendo legítima a condução coercitiva de testemunhas ou até mesmo do acusado, se voltada para a realização de outros atos processuais diversos do interrogatório.

Outra questão que sempre volta à baila nas CPIs é em relação ao poder de decretar a prisão daqueles que prestam depoimentos nelas; veja-se que esse suposto poder sequer foi previsto no Regimento Interno do Senado, dentro dos artigos 145 a 153, dos artigos 35 a 37 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, ou artigo 21 do Regimento Interno do Congresso Nacional, que cuidam das CPI; também nesse assunto, o  Supremo Tribunal Federal, já em 07 de abril de 1994, assentou que as CPIs não têm esse poder, e essa decisão veio no julgamento do Habeas Corpus nº 71039/RJ, tendo por relator o Ministro Paulo Brossard.

Daí porque, diante de um depoimento que revele falso testemunho, o que resta à CPI é encaminhar os fatos ao Ministério Público Federal, que é o chamado "dono da ação penal”, para que ele promova o processo contra o acusado; quando muito, poderia o presidente da CPI – e por que não qualquer de seus membros – prender em flagrante o mentiroso, como qualquer do povo pode, a teor do que estabelece o artigo 301 do Código de Processo Penal, que traz: "Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.

Sempre convém alertar que o dever de dizer a verdade é ínsito às pessoas ouvidas como testemunhas, tal como previsto no artigo 203 do Código de Processo Penal ("A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado”), sob pena de "falso testemunho”, crime que se consuma quando a testemunha faz afirmação falsa, ou nega ou cala a verdade; mas, quando se trata de investigado ou acusado, veja-se que o mesmo código, em seu artigo 186, garante que "o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas” e mais, que "o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”.

Essas regras podem até dar a entender que o Direito proteja ao criminoso, mas na verdade o que o Direito faz é exigir que o Estado, por sua polícia e seu Ministério Público, produzam, com eficiência, provas consistentes e capazes de sustentar uma justa condenação; ao mesmo tempo, a lei pretende inviabilizar toda e qualquer condenação sustentada exclusiva ou principalmente em confissões, nem sempre obtidas de maneira espontânea, mas sob erro do aparato estatal  ou coação, que pode recair sobre qualquer um de nós, numa hipótese de investigação mal conduzida ou abusiva.

Daí porque, quanto ao direito assegurado, a qualquer um, Daniel Dantas, José Carlos Bumlai e outras figuras icônicas de nossa triste história, como também ao ex-ministro Pazuello, pela medida cautelar concedida quatro dias atrás, por mais que se diga que "quem cala consente”, também se diz que "pau que bate em Chico, também bate em Francisco”, assim, "para quem entende, um pingo é letra” e daí, resta a reflexão sobre um último dito popular brasileiro, de duvidoso rigor ético: "Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não sabe da arte”.

Para arrematar, na toada desses ditos, beneditos e maleditos, para além da pátria amada, Terrae Brasilis, dizem alguns, equivocadamente, que o príncipe alemão Otto von Bismarck (1815-1898) teria dito: "Se os homens soubessem como são produzidas a lei e as salsichas, não respeitariam a primeira e não comeriam a segunda”; na verdade, o aforismo correto é de autoria do poeta norte-americano John Godfrey Saxe (1816-1887) e fora assim escrito: "Laws, like sausages, cease to inspire respect in proportion as we know how they are made” ("As leis, como as salsichas, deixam de inspirar respeito na medida em que sabemos como são feitas”).






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