No dia 18 de maio de 2021, as atenções do mundo político brasileiro estarão mais uma vez voltadas para a "CPI da Pandemia”, quando se colherá o depoimento do ex-Ministro da Saúde, o General de Divisão Eduardo Pazuello, atualmente adido à Secretaria-Geral do Exército.
Por
mais que se diga que "quem cala consente”, também se diz que "pau que bate em Chico,
também bate em Francisco”, assim, "para quem entende, um pingo é letra” e daí,
resta a reflexão sobre um último dito popular brasileiro, de duvidoso rigor
ético: "Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não
sabe da arte”.
Neste artigo, nosso foco será sobre
os controvertidos poderes de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e os
direitos resguardados aos depoentes, em destaque aqui, o ex-Ministro Pazuello,
tal e qual restou decidido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo
Lewandowski, em sede de Medida Cautelar, concedida no dia 14 de maio de 2021, dentro
do Habeas Corpus nº 201.912.
Pois bem, diz a Constituição
Federal, por seu artigo 58, § 3º: "As comissões parlamentares de inquérito, ...
terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais ..., para a
apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o
caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade
civil ou criminal dos infratores”; um primeiro ponto a se chamar à reflexão
crítica é a de que o modelo processual adotado pelo Brasil é o chamado "Sistema
Acusatório”, onde o juiz não detém qualquer poder de investigação.
A investigação em nosso país sempre
ficou nas mãos das polícias e do ministério público, daí porque alguns juristas
críticos irem buscar no antigo modelo processual italiano a explicação da
origem desse erro do constituinte ("poderes de investigação próprios das
autoridades judiciais”); na Itália, com a reforma processual de 1989
(veja-se: curiosamente 1 ano após proclamada nossa Constituição), desapareceu a
figura do Juiz de Instrução (o "Giudice Istruttore”), adotando-se lá,
tal qual aqui ao longo de toda nossa tradição, o sistema acusatório, onde o
juiz não investiga – mas somente julga – e não investiga, para poder julgar com
a máxima imparcialidade.
Superada essa questão,
voltemos ao foco dos poderes dessas Comissões Parlamentares de Inquérito. Note-se
que, até mesmo no processo judicial, o poder de condução coercitiva, por vezes
cobiçado pelas CPIs e previsto no artigo 260 do Código de Processo Penal ("Se
o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou
qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá
mandar conduzi-lo à sua presença.)”, já não mais existe, isto porque foi
declarado incompatível com a Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal,
quando, em 14 de junho de 2018, do julgamento da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental nº 444, nos seguintes termos: "Arguição julgada
procedente, para declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da
condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, tendo em vista
que o imputado não é legalmente obrigado a participar do ato, e pronunciar a
não recepção da expressão "para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP”;
bem certo que isso vale tão somente para os acusados, sendo legítima a condução
coercitiva de testemunhas ou até mesmo do acusado, se voltada para a realização
de outros atos processuais diversos do interrogatório.
Outra questão que sempre volta
à baila nas CPIs é em relação ao poder de decretar a prisão daqueles que
prestam depoimentos nelas; veja-se que esse suposto poder sequer foi previsto no
Regimento Interno do Senado, dentro dos artigos 145 a 153, dos artigos 35 a 37
do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, ou artigo 21 do Regimento Interno
do Congresso Nacional, que cuidam das CPI; também nesse assunto, o Supremo Tribunal Federal, já em 07 de abril de
1994, assentou que as CPIs não têm esse poder, e essa decisão veio no
julgamento do Habeas Corpus nº 71039/RJ, tendo por relator o Ministro Paulo
Brossard.
Daí porque, diante de um depoimento
que revele falso testemunho, o que resta à CPI é encaminhar os fatos ao Ministério
Público Federal, que é o chamado "dono da ação penal”, para que ele promova o
processo contra o acusado; quando muito, poderia o presidente da CPI – e por
que não qualquer de seus membros – prender em flagrante o mentiroso, como
qualquer do povo pode, a teor do que estabelece o artigo 301 do Código de
Processo Penal, que traz: "Qualquer do povo poderá e as autoridades
policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em
flagrante delito”.
Sempre convém alertar que o
dever de dizer a verdade é ínsito às pessoas ouvidas como testemunhas, tal como
previsto no artigo 203 do Código de Processo Penal ("A testemunha fará, sob
palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for
perguntado”), sob pena de "falso testemunho”, crime que se consuma quando a
testemunha faz afirmação falsa, ou nega ou cala a verdade; mas, quando se trata
de investigado ou acusado, veja-se que o mesmo código, em seu artigo 186,
garante que "o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o
interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder
perguntas que lhe forem formuladas” e mais, que "o silêncio, que não
importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”.
Essas regras podem até dar a
entender que o Direito proteja ao criminoso, mas na verdade o que o Direito faz
é exigir que o Estado, por sua polícia e seu Ministério Público, produzam, com
eficiência, provas consistentes e capazes de sustentar uma justa condenação; ao
mesmo tempo, a lei pretende inviabilizar toda e qualquer condenação sustentada
exclusiva ou principalmente em confissões, nem sempre obtidas de maneira
espontânea, mas sob erro do aparato estatal ou coação, que pode recair sobre qualquer um
de nós, numa hipótese de investigação mal conduzida ou abusiva.
Daí porque, quanto ao direito
assegurado, a qualquer um, Daniel Dantas, José Carlos Bumlai e outras figuras
icônicas de nossa triste história, como também ao ex-ministro Pazuello, pela
medida cautelar concedida quatro dias atrás, por mais que se diga que "quem cala
consente”, também se diz que "pau que bate em Chico, também bate em
Francisco”, assim, "para quem entende, um pingo é letra” e daí, resta a
reflexão sobre um último dito popular brasileiro, de duvidoso rigor ético: "Quem
parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não sabe da arte”.
Para arrematar, na toada
desses ditos, beneditos e maleditos, para além da pátria amada, Terrae
Brasilis, dizem alguns, equivocadamente, que o príncipe alemão Otto von
Bismarck (1815-1898) teria dito: "Se os homens soubessem como são produzidas
a lei e as salsichas, não respeitariam a primeira e não comeriam a segunda”;
na verdade, o aforismo correto é de autoria do poeta norte-americano John
Godfrey Saxe (1816-1887) e fora assim escrito: "Laws, like sausages, cease
to inspire respect in proportion as we know how they are made” ("As
leis, como as salsichas, deixam de inspirar respeito na medida em que sabemos
como são feitas”).