Hoje resolvi voltar com algo que está na boca de todos, mas que divide opiniões, muitas das vezes e novamente, por questões puramente de um fundo político-ideológico, provocado pela divisão que se estabeleceu no país e no mundo nos últimos dias e na própria história da humanidade;
....nada de tão novo, mas algo
sempre grave, em tempos em que a profusão da comunicação pela Internet, a
partir de redes sociais startadas por mensagens, conteúdos e posts
turbinados por programas de computador criados para realizar tarefas
repetitivas e automatizadas de replicação: os bots (ou robôs), que se
replicam na rede e nos grupos pela ação individual, quase que intuitiva e sem
reflexão mais profunda dos apoiadores de uma das bandeiras que se convencionou
chamar Esquerda ou Direita.
Quando Umberto Eco, em 2015,
num contexto em que apontava para os avanços trazidos pela comunicação digital
proferiu a crítica de que I social media danno diritto di parola a legioni
di imbecilli, isso provocou em muito uma indignação, ainda que tenha sido
dentro de um contexto não agressivo, ofensivo ou pedante, em que simplesmente
se dirigia à profusão de pensamentos não elaborados ou bem fundamentados que universo
ciber se replicam, vale dizer, sem refinamento educativo e, portanto,
capaz de replicar erros de conteúdo, em detrimento das maravilhas potenciais da
rede mundial de computadores no campo da educação e do marco democrático e
civilizatório que se inaugurou.
E pior, digo eu, com reforço
numa aparente legitimação, baseada nos títulos acadêmicos ostentados pelo autor,
em que não são poucos os que produzem ou reproduzem conclusões a partir de informações
parciais (a parte que lhes interessam apresentar para manipular as massas
ávidas pelo conhecimento de fácil digestão), com a força do chamado "argumento
de autoridade”, que se mostra como se fora do senso comum para se impor como
verdade científica.
E é isso que se vê no campo da
ideologia política veiculada na rede: uma série de pautas são postas como
balizas para levar alguns para uma dita esquerda e a outros para a direita...
Mas haveria guetos tão homogeneamente divididos? Para responder a isso, nada
mais adequado que buscar a ideologia de um desses polos, na fonte mais pura: O
Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels, publicado no ano de
1848 (também disponível na mesma Internet)...
Falar que a esquerda é
progressista enquanto a direita é conservadora, parece ser tão
equivocado como dizer que aquela é libertária enquanto esta seria opressora;
para quebrar esse paradigma, basta ver que fora o movimento burguês, o
responsável pela queda das monarquias absolutistas na Revolução de 1789 para,
mais tarde, se ver denunciado pelo Manifesto Comunista.
O Manifesto analisa o
"Socialismo Reacionário” (Feudal, Pequeno-Burguês e Alemão), acusando o Feudal
de ser um mero meio panfletário, no campo da literatura, capitaneado pela
decadente aristocracia contra a ascendente burguesia do século XIX, pela
publicação de escritos dos Legitimistas franceses e do movimento Jovem
Inglaterra; o "Socialismo Pequeno-Burguês” medieval é acusado de se mostrar como uma "choradeira covarde” e
utópica, porque o pequeno burguês (camponês ou artesão que, na economia se
situava entre os proletários e a grande burguesia industrial) nada mais
reclamava, senão contra a maquinaria industrial burguesa, porque lhe substituía
na produção; por fim, a acusação contra o "Socialismo Alemão” o aponta como
sendo uma deformação filosófica, destinada a proteger a pequena-burguesia alemã
contra a concentração do capital e o surgimento do proletariado revolucionário
verdadeiro, e que somente teria feito legitimar governos absolutos na Alemanha.
Seguem-se críticas ao
"Socialismo Conservador” e ao "Comunismo e Socialismo Crítico-utópicos”; ao
Socialismo Conservador – ou burguês – dizem-no pecar, porque rejeita a via
revolucionária, enquanto prega a melhoria das condições econômicas de vida, sem
perceber que o grande mal – a relação de dominação "capital-trabalho” –
permaneceria inalterada; por não apoiarem ações políticas revolucionárias, mas
pela pedagogia do exemplo e pela proposta de transformação pacífica, os
pensadores do "Comunismo e Socialismo Crítico-utópicos” são tidos no Manifesto
como também reacionários, que somente inovam por sua fé na ciência social, em
rejeição à luta entre as classes por meio da revolução proletária.
Por tudo isso, Karl Marx e
Friedrich Engels concluem: "Neste sentido, os comunistas podem resumir sua
teoria em uma única expressão: supressão da propriedade privada” e o caminho
para essa nova ordem é claro: "Naturalmente, isso só pode ocorrer, de início,
por meio de intervenções despóticas no direito de propriedade e nas relações
burguesas de produção”; por isso o Manifesto proclamou: "Os comunistas não
ocultam suas opiniões e objetivos. Declaram abertamente que seus fins só serão
alcançados com a derrubada violenta da ordem social existente. Que as classes
dominantes tremam diante de uma revolução comunista. Os proletários não têm
nada a perder nela, além de seus grilhões. Têm um mundo a conquistar”.
Educação e ordem jurídica
também são elementos tratados sob crítica,
porque são vistos como padrões resultantes de uma concepção burguesa de
liberdade, educação e direito; a Educação é acusada de permitir a exploração
das crianças ("artigos de comércio e instrumentos de trabalho”) pelos pais e, no lugar do modelo de Educação Doméstica,
o que se propõe é a Educação Social, sem a influência da classe dominante; ao
Direito se diz mais: "não é nada mais que a vontade de sua classe erigida em
lei”; à acusação de que "O comunismo quer abolir as verdades eternas, suprimir
a religião e a moral, em vez de lhes dar uma nova forma; portanto, ele
contradiz toda a evolução histórica anterior”, o Manifesto não vai muito além e
simplesmente assume que "A revolução comunista é a ruptura mais radical com as
relações de propriedade remanescentes; não é de se espantar que, em seu
desenvolvimento, rompa-se de modo mais radical com as ideias do passado”, o que
parece soar como um sim...
O que se tem então, nessa
"coisa de esquerda-direita”, é um misto do mais de sempre: um eterno conflito
de interesses e de ideias inerentes à condição humana. Mas esse conflito seria
entre classes ou entre indivíduos?
Não parece existir mentiras no
Manifesto, mas um grave erro de foco, afinal, alguém que se declara de Direita
seria capaz de fazer apologia ao capitalismo, negando ter havido, no início
da Revolução Industrial, exploração de mulheres e crianças submetidas a
jornadas de trabalho superiores a 16 horas diárias em condições insalubres, que
culminaram, em 25 de março de 1911, no incêndio da Triangle Shirtwaist, em
Nova York, que levou à morte de mataria 146 pessoas, 129 delas mulheres? Como
se declarar conservador, negando os desmandos da Santa Sé ao longo dos
séculos XI e XIII pelas mãos da nobreza que compunha o exército dos Cruzados e,
a partir de 1.231, pela Inquisição do Santo Ofício, tudo em nome da
imposição de uma religião e sua fé.
O Manifesto Comunista de Karl
Marx e Friedrich Engels parece padecer de um grave erro de foco, porque o tal
conflito de que tanto fala, em verdade brota entre os indivíduos que, quando
muito e tão somente naquilo que convergem em seus interesses e ideias, resolvem
se agrupar sem, no entanto, abdicarem de seus pontos de vista e interesses
particulares; a utópica união em classes antagônicas (capital-trabalho;
burguês-proletário) é, portanto, efêmera e não ser aceita como capaz de
legitimar qualquer ditadura de um grupo revolucionário desejoso de impor uma
nova ordem. Mas o mais grave não é o erro de foco, e sim, o que propõe: a
derrubada violenta da ordem social existente.
Para nós, qualquer defesa a
processos de ruptura drástica – ainda que se diga bem-intencionado – nada mais
é do que um pensamento opressor e alienante, porque oprime uma parcela da
sociedade pela força de uma maioria alienada em suas ideias sobre apenas alguns
aspectos particulares de um todo complexo da vida em comunidade, tal e qual
também operaram os fascistas e os nazistas; em suma, todos pregando a imposição
de uma nova ordem, desprezando a complexidade das relações interpessoais e
sociais e, principalmente, a particular forma de ver o mundo por cada indivíduo
em sua individualidade.
Daí porque, exigir que o
indivíduo se autodeclare de "direita” ou de "esquerda”, além de revelar
desconhecimento ou desdém a fatos históricos de domínio comum, é algo não só
aviltante à sua liberdade, como usurpador à sua individualidade, definida como
direito de se comportar conforme seus próprios princípios, fé e convicções,
dentro dos limites consensuados para o convívio saudável, seguro e respeitoso
ao outro.