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Azor Lopes da Silva Júnior

Advogado, professor universitário e jornalista


O MAPA DA VIOLÊNCIA E O RAIO X DA INEFICIÊNCIA

Por: Azor Lopes da Silva Júnior
28/07/2021 às 19:24
Azor Lopes da Silva Júnior

 

Há poucos dias o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou seu ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA 2021, revelando um crescimento das mortes violentas intencionais..

Foram 50.033 vítimas em 2020 contra 47.742 no ano anterior, o que corresponde a uma taxa nacional de 23,6 mortes violentas por grupo de 100 mil habitantes, contra 22,7 no ano de 2019. Foram então 2.291 assassinatos a mais em 2020 em todo o país.

As maiores taxas foram registradas nos Estados do Ceará (45,2/100 mil), Bahia  (44,9/100 mil), Sergipe (42,6/100 mil), Amapá  (41,7/100 mil) e Paraíba  (38,3/100 mil), enquanto as menores ficaram com os Estados de São Paulo  (9,0/100 mil), Santa Catarina  (11,2/100 mil), Minas Gerais  (12,6/100 mil), Distrito Federal  (14,2/100 mil) e Mato Grosso do Sul (17,5/100 mil).

Se isso já não espantasse, outro estranho espanto causado pelo relatório é que em 2020 foram 11.916 casos de assassinatos em que não se esclareceu quem fora o criminoso, número inferior ao verificado em 2019 (13.611 crimes de morte não esclarecidos); se somarmos a isso o número de 142.451 crimes violentos não letais contra o patrimônio (roubo e furto de veículos) e ainda outros 994.369 onde, raramente se tem a prisão em flagrante do criminoso, a conclusão é de que teremos algo em torno de 1 milhão, 148 mil, 736 crimes não esclarecidos... Esse é o maior problema de um sistema policial e judicial que precisa ser mudado.

Mas o que causa esse problema? Ineficiência da polícia? Ineficiência do sistema judiciário? Ineficiência do Ministério Público? E qual a consequência dessa causa: impunidade!

A polícia investigativa (polícias civis estaduais e federal) não é ineficiente por opção ou falta de preparo; ela sofre com uma demanda gigantesca de rotinas puramente burocráticas e cartoriais, como no registro de boletins de ocorrência e na elaboração de um inquérito policial que – dizem os juristas – é peça meramente informativa e dispensável, mas que é praticamente a única via de entrada no sistema judiciário; falar de investigações do Ministério Público é algo pífio dentro desse universo de números de crimes, porque suas investigações são puramente seletivas e, no mais das vezes, para se dizer o coloquial, Judiciário e Ministério Público comem na mão das polícias...

Então seria o Ministério Público o culpado pela ineficiência escancarada nesses números estratosféricos? Certamente que não, porque, mesmo agindo seletivamente na investigação de certos crimes, o papel de apuração dos delitos é da polícia; ao Ministério Público cabe, por força constitucional – e caberia mais, se a sociedade desse olhos e lhe cobrasse a devida atenção a esse problema de macropolítica criminal – o chamado controle externo da atividade policial, que certamente não se resume à auditorias formais em delegacias e quarteis...

Seria então o Poder Judiciário o culpado ou cumplice? Em princípio não, mesmo porque seu papel exige isenção para o julgamento final do acusado; porém, ele não é um mero e inocente expectador dos processos, mas lhe cabe estar sempre atento aos sucessivos pedidos de prorrogação do prazo para a conclusão das investigações policiais, nem sempre bem justificados e quase nunca fiscalizados pelos Promotores de Justiça e pelos Juízes Criminais...

Mas nem tudo está perdido.

Em 1995 surgiu uma quase desconhecida pela sociedade civil: a Lei dos Juizados Especiais Criminais que, como se fosse uma experiência no laboratório desse sistema, viu que a burocratização dos inquéritos policiais levava a dois graves problemas: (1) ao excesso de trabalho sobre os ombros das polícias investigativas, impedindo seus esforços na elucidação de crimes graves e; (2) à prescrição dos delitos menos graves, que, no jargão popular, caducavam quando davam entrada no Poder Judiciário.

Mais um problema foi enfrentado e testada nova estratégia de solução ou mitigação: as polícias militares, cuja principal função social é estarem patrulhando as ruas, buscando evitar a ocorrência de novos crimes, ficavam horas a fio paradas nos plantões policiais para o registro das ocorrências em que intervieram, deixando as ruas sem sua presença tão desejável para a prevenção.

Daí porque essa Lei dos Juizados Especiais Criminais permitiu que os pequenos delitos (brigas, ameaças, agressões com lesões leves, acidentes de trânsito com vítimas, porte de drogas etc.) pudessem ser registradas de uma forma mais simplificada e encaminhada diretamente ao Poder Judiciário, sem onerar a polícia investigativa e sem levar as patrulhas a perderem horas nas delegacias: surgia o Termo Circunstanciado de Ocorrência.

Nossa São José do Rio Preto e as outras 37 cidades do entorno, de 01 de dezembro de 2001 até 09 de setembro de 2009, foram laboratório dessa nova estratégia que somente foi interrompida por questões puramente políticas e nada técnica, a despeito do apoio do Poder Judiciário e Ministério Público e dos quase 100 mil usuários desse serviço naqueles anos; mas esse é um assunto que não deve ser relembrado e nem enfrentado pelos gestores das polícias aqui no Estado de São Paulo... Não me perguntem o porquê...

O fato é que, de lá para cá, estivemos capacitando gestores e agentes policiais em todos os Estados do Brasil e discutindo em arenas como o Ministério da Justiça, a Secretaria Nacional de Segurança Pública, Comissões da Câmara dos Deputados e do Senado da República e, finalmente, nas etapas municipal, estadual e nacional da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, que se desenrolou ao longo de 2009, finalizada em Brasília, amadurecendo a estratégia e reforçando as experiências.

Agora, o Instituto Brasileiro de Segurança Pública (ibsp.org.br) – uma entidade sediada em nossa querida São José do Rio Preto – que congrega mestres e doutores do campo científico-acadêmico de todo o país realizou ao longo deste mês de julho a 1ª Conferência Nacional sobre o Termo Circunstanciado de Ocorrência, trazendo exposições dos Estados de Minas Gerais e São Paulo (01/07), Rio Grande do Norte e Mato Grosso (08/07), Piauí, Ceará e Paraná (15/07), Rio Grande do Sul, Bahia e Goiás (22/07) e, finalizando nesta quinta-feira (29/07), a partir das 19h, com Roraima e Santa Catarina. Maiores informações estão disponíveis no link https://ibsp.org.br/conferencia-nacional-termo-circunstanciado-de-ocorrencia/ e, ainda, todos os conteúdos das exposições da conferência estão disponíveis à sociedade, autoridades públicas, pesquisadores e comunidades acadêmicas no YouTube: https://www.youtube.com/channel/UC8JotliXpTVPI_VfQr8QtNA

Atribuem a Albert Einstein a frase Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes; não sejamos nós os insanos... De nossa parte fica o ufanismo: sou rio-pretense e não desisto nunca.


 

 






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