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Cacau Lopes é professor-Doutor em Saúde Pública/Famerp.
Foto por: Acervo Pessoal
Cacau Lopes é professor-Doutor em Saúde Pública/Famerp.

Coronavírus e o Drácula de Bram Stoker

Por: Cacau Lopes
17/06/2021 às 15:28
Opinião

O prefeito Edson Coelho Araújo vive para alimentar o sangue destes vampiros sedentos de lucros. O personagem R. M. Renfield, interpretado maravilhosamente pelo artista e músico Tom Waits, é a própria encarnação do burgomestre de Rio Preto



O romance de Bram Stoker — O Drácula —, magistralmente traduzido para as telas do cinema por Francis Ford Coppola, desfila personagens monstruosos, oriundos das regiões limítrofes do Império Britânico e que expressavam o medo da colonização reversa, uma hesitação dos vitorianos diante do inimigo estrangeiro e suas reações e resistências coloniais. 
 
Dráculas, Lobisomens, Nosferatus, entre tantos outros vampiros noturnos, tinham a função de retratar as colônias como lugares exóticos, habitadas por civilizações perdidas ou inimigos tingidos pela barbárie. 
 
Em meio à sociedade vitoriana, as personagens femininas na literatura eram moldadas como vestais anjos domésticos ou perigosas mulheres fatais cheias de vícios pecaminosos e libertinos. 
 
As obras literárias de Stoker demonstravam, também, um interesse ávido e um misto de reações pelas práticas científicas, campo utilizado pelos seus personagens masculinos como parte de suas estratégias no combate aos inimigos do Império e como recurso narrativo capaz de glorificar as proezas desses homens bons e heroicos. 
 
Uma característica de todos estes mortos-vivos era seus hábitos noturnos e a aversão à luz do dia. A noite é mistério, é fêmea, é lua que atiça os ciclos menstruais, as marés e é habitada por seres que seduzem e causam medo, ao mesmo tempo. Seres ávidos pelo sangue efervescente das mulheres. 
 
O dia é a razão, o sol, o macho, a ciência, repleta de seres que reprimem e escondem seus instintos inconfessáveis. Como revela o personagem Drácula, "há uma razão para as coisas serem assim”. A noite revela nossos impulsos e desejos inconscientes, enquanto a claridade do dia é propícia para as maquiagens, para usarmos as nossas muitas máscaras, alimentarmos nossas couraças e disfarces. 
 
O maior fetiche da sociedade capitalista é a sua imposição de que, se não trabalharmos, trabalharmos, trabalharmos, somos seres imprestáveis. Max Weber relata esta violência moral imposta às classes trabalhadoras, onde os prazeres do ócio foram negados aos que produzem em função dos negócios dos que usufruem da exploração do trabalho alheio, em sua magistral obra ‘Espírito do Capitalismo e a Ética Protestante’. 
 
Se há uma razão para as coisas serem assim — de acordo com a fala de Drácula, que só sobrevive através da sedução e do amor —, este motivo está na base de uma sociedade, em que muitos devem labutar, se desgastar, adoecer e morrer, para que poucos possam gozar o prazer de viver. 
 
O presidente da ACIRP e do Sindicato do Comércio são exemplares típicos destes seres que se acham privilegiados, que defendem que seus empregados devem se expor ao risco, enquanto eles contam o vil metal. 
 
O prefeito Edson Coelho Araújo vive para alimentar o sangue destes vampiros sedentos de lucros. O personagem R. M. Renfield, interpretado maravilhosamente pelo artista e músico Tom Waits, é a própria encarnação do burgomestre de Rio Preto. 
 
Fiel aos vampiros capitalistas, ele protege seus interesses diurnos, ao decretar mais este lockdown noturno de mentirinha, ao mesmo tempo que descobre que o coronavírius, assim como os Dráculas, Nosferatus, Lobisomens, Morcegos, entre outros seres assustadores, têm hábitos notívagos. 
 
Desde o dia em que o primeiro caso de COVID-19 foi notificado em São José do Rio Preto, a pandemia nunca esteve sob controle em nossa cidade. Do dia 12 de março até o dia 31 de maio de 2020, tínhamos somente 696 casos notificados. A partir desta data, quando o prefeito decretou a abertura e a flexibilização das atividades econômicas e religiosas na cidade, passamos a ter um crescimento exponencial do número de casos. 
 
Segundo informações da Secretaria Municipal de Saúde, hoje, 17 de junho de 2021, o município possui 81.960 rio-pretenses já contaminados pela COVID-19, sendo que 2.332 pessoas residentes em nossa cidade morreram pela doença. Rio Preto é a cidade com o maior coeficiente de transmissão e de mortes, entre os municípios com mais de 100 mil habitantes. 
 
Esta posição vergonhosa e triste não é por acaso. O vírus que circula em nosso município é o mesmo que circula no restante do país, o grau de educação e características socioeconômicas da população rio-pretense não são piores do que estas mesmas condições nos 5.570 municípios brasileiros e os nossos hospitais (públicos e privados) são de excelência, se comparados com a maioria das cidades do Brasil. 
 
Se é assim, o que explica a alta incidência de casos e de mortes por COVID-19 em nossa cidade? A causa deste desastre da saúde pública e da economia na cidade se deve a uma razão principal: a gestão desastrosa da pandemia e o descaso com a vida humana por parte da administração municipal. 
 
Como sabemos, o coronavírus é transmitido, predominantemente, através das vias respiratórias, por intermédio de um contato próximo com alguém infectado e por meio de objetos contaminados. Sendo assim, como a maioria das doenças infecciosas, ele tem um comportamento sazonal. 
 
Ou seja, assim como a dengue tem o seu maior risco de transmissão entre dezembro e março (verão), as doenças respiratórias (dentre elas a CPOVID-19) acontecem mais intensamente nos períodos de junho a agosto e em épocas de festas (Natal, Ano Novo, Carnaval, feriados prolongados), onde as pessoas têm uma maior propensão para aglomerações. 
 
Além deste fato ser conhecido pelos profissionais que têm um mínimo de conhecimento em Saúde Pública, em função do que tinha acontecido na China, na Europa e nos EUA, tivemos tempo suficiente para nos prepararmos, através de medidas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde, para a chegada da Pandemia em nossa cidade. 
 
Em primeiro lugar é importante constatar que a Administração Municipal, através da Secretaria de Saúde, não monitorou adequadamente a situação da COVID-19 em nossa cidade. Se monitorou, não adotou as medidas cientificamente recomendadas para proteger as pessoas e a população da pandemia. 
 
Estudos da UNESP demonstravam, em abril de 2020, que a COVID-19 iria se alastrar pelo interior nos meses de junho, julho e agosto. O professor Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza, da Faculdade de Medicina da Unesp alertava, na época, "que cidades maiores têm uma maior responsabilidade, que é proteger as cidades pequenas da disseminação da COVID-19. Municípios como Bauru, Araraquara, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, entre outros, são importantes para deter o avanço do vírus””. 
 
O pesquisador ressaltava, ainda, "que o oeste paulista tem o maior número de idosos do estado, sendo essa, justamente, a população mais frágil”. Se não bastasse essa evidência, os dados das notificações de casos de COVID-19 já apontavam um crescimento preocupante da transmissão a partir do início de junho de 2020 (período de maior risco de doenças respiratórias). 
 
Diante deste fato notório — o crescimento de casos e de mortes, a medida tomada pelo prefeito, respaldado pelo seu Comitê Gestor, foi de abrir as atividades econômicas e religiosas, para favorecer interesses de parte dos empresários da cidade e da sua própria ânsia de reeleição, expondo a população sem defesa, aos efeitos infecciosos e letais do coronavírus. Os resultados foram trágicos. 
 
Saltamos de 700 casos notificados até o dia 31 de maio de 2020, para 16.847 casos em 31 de agosto de 2020 — um aumento de 2.306% de casos no período —, ao mesmo tempo em que saímos de 23 óbitos pela doença para 428 mortes — um aumento de 1.660%). 
 
Em São José do Rio Preto, a opção do prefeito Edson Coelho Araújo, assessorado pelo seu Comitê Gestor da Pandemia, foi a de exclusivamente fazer reivindicações ao governo do Estado de São Paulo para aumentar o número de leitos, escapando, assim, da fase vermelha, segundo critérios equivocados do Plano São Paulo. 
 
A letalidade por COVID-19 em Rio Preto está dentro dos padrões de cidades que têm boa assistência médica hospitalar, mas o aumento de leitos não é capaz de estancar a transmissão e, consequentemente, o número de internações e de mortes. Esta escolha, em detrimento de medidas eficazes para se evitar as transmissões, foi classificada pela professora-doutora Suzana Lobo, chefe da UTI do Hospital de Base e Presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Intensiva, como "prática de enxugar gelo”. 
 
Conforme apontam tantos outros médicos, epidemiologistas espalhados pelo mundo, a criação de leitos de UTI, embora seja de suma importância, não é a medida mais eficaz para diminuir mortes, uma vez que entre 22% e 25% das pessoas com SRAG internadas morrem inexoravelmente. 
 
Se internamos 100, 22 a 25 pessoas vão morrer. Se internamos mil, entre 220 e 250 internados vão a óbito. Portanto, as medidas mais eficazes para diminuírem mortes são aquelas que diminuem as internações. Para isto, é fundamental diminuir a transmissão naqueles períodos em que a incidência da doença está aumentando. 
 
Em 2021, mesmo com o agravamento da pandemia em nossa cidade, o prefeito Edson Coelho Araújo manteve sua postura de abdicar do seu DEVER DE AGIR, a fim de proteger a saúde e a vida dos rio-pretenses. Em função desta renúncia, a pandemia assumiu em São José do Rio Preto níveis de transmissão e de mortes bem maiores do que os de outras cidades. 
 
Estamos vivendo em pleno período de maior risco de contágio pala COVID-19. Os números de casos diários estão aumentando, as taxas de positividade dos exames estão crescendo, estamos com 541 rio-pretenses internados, a variante indiana ronda a nossa cidade e nossa taxa de vacinação com a segunda dose ainda está muito baixa. 
 
O quadro que nos espera nos meses de junho, julho e agosto de 2021, estudando a tendência da pandemia em nossa cidade, desde o início até hoje, é catastrófico, se nada for feito para frear o aumento da transmissão que fatalmente ocorrem nestes meses (junho, julho, agosto e setembro). 
 
Para exemplificar, no mês de junho do ano passado, tivemos 57 mortes de rio-pretenses por COVID-19. Somente nos primeiros 15 dias de junho deste ano, já foram notificados, em nossa cidade, 162 óbitos (184% a mais). 
 
Baseado em meus estudos e de outros pesquisadores, projeto entre 700 e 1.000 mortes por COVID-19 nos meses de junho a setembro. Se estabelecermos um ISOLAMENTO HORIZONTAL (lockdown de verdade), conforme recomendam os cientistas e entidades de saúde pública, PODEREMOS SALVAR ENTRE 300 E 500 VIDAS. A decisão está nas mãos daquele que, ocupando cargos públicos, tem o dever de agir. 
 
CACAU LOPES é professor-Doutor em Saúde Pública/Famerp.







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