Quando falamos a respeito das condições das mulheres na nossa sociedade, - condições essas que vão desde a questão da violência, até a diferença da nossa presença nas mais diversas carreiras-, é comum nos remetermos a forma como criamos nossos meninos e meninas.
Isso acontece porque entendemos que o que chamamos de gênero e as
questões relacionadas a ele são aspectos sociais de nossas vidas. O gênero, de
maneira simplificada, por definição é a construção social que fazemos a partir
do que chamamos de sexo anatômico. As
questões de gênero relacionam-se com a maneira de sermos homens e mulheres
realizada pela cultura, inclusive no sentido de termos já questionado se
somente essas duas opções são as possíveis ou desejáveis, mas aí já entraremos
em outra conversa. O que queremos retomar aqui é que esses comportamentos são
aprendidos no convívio social. Um dos aspectos importantes desse aprendizado é
que desde muito cedo as questões ligada ao cuidado de si e do outro, são tidas
como femininas. Nossos primeiros brinquedos são habitualmente bonecas e
utensílios domésticos que nos remetem ao cuidado das crianças e da casa. E
nessa linha de aprendizado vamos ver profissionalmente mais mulheres
enfermeiras, professoras de crianças pequenas, assistentes sociais e no âmbito
doméstico somos nós habitualmente as responsáveis prioritárias pelos cuidados
com os filhos, os idosos e os doentes.
Corremos o risco de ao criticar esse papel fixo atribuído às
mulheres, perdermos a ideia de que o cuidado mútuo é um valor importante a ser
cultivado. O cuidado de si é fundamental para que possamos sobreviver e viver
bem. Cuidar e ser cuidado pelo outro no âmbito familiar e doméstico é (ou pelo
menos deve ser) a característica mais essencial do que podemos chamar de
família. Os cuidados no nível da
sociedade são os que permitem uma certa estabilidade para o que também podemos
chamar de sociedade.
Tenho feito parte de um grupo de pessoas que se juntaram para
fazer o bem. Olhando aqui no grupo do whatsapp, somos 41 componentes. Conheço
alguns, mas a maioria das pessoas desse grupo eu não poderia reconhecer se as
encontrasse na rua, pois não as conheço.
O grupo mobiliza doações em dinheiro e o que puderem em itens
alimentícios e outros materiais e direciona para pessoas carentes. As quantias
doadas em dinheiro têm sido destinadas para compra de material de construção
para que famílias possam ter uma casa digna para morar.
O grupo é composto por homens e mulheres, mas não precisa nem
dizer que quem encabeça e organiza tudo são mulheres. Mulheres já aposentadas,
mas que destinam grande parte de seu tempo para esta causa. Recolhem o dinheiro
e as doações, prestam contas com transparência, mobilizam o grupo, levam e
buscam materiais, fazem visitas e até carregam e descarregam tijolos, telhas e
o que for preciso. São incansáveis!!!
Vivemos um tempo muito difícil!! E a dificuldade se tornou ainda
mais severa para os que se encontram no extremo da pobreza. Aqui também há uma
maioria de mulheres que sofrem com a pobreza, com a responsabilidade de criar
os filhos sozinhas, com a violência, com o racismo.
Às vezes me pergunto que mundo queremos para nossas meninas,
futuras mulheres? Um mundo de mulheres trabalhadoras que com muito sofrimento
conseguem fazer com que suas famílias sobrevivam, ou mulheres trabalhadoras que
usam sua força e energia para desenvolver projetos coletivos e que tragam vida
para muitos. A outra questão nestes tempos tão sombrios é em relação à
possibilidade de aprendermos a nos cuidar e cuidar dos outros, vamos ensinar
somente as meninas? O ônus, os encargos, o bônus e o prazer de poder ser cuidador de si e de
outros estará restrito ao feminino?
Criticamos que o papel do cuidado tem se restringido às mulheres,
mas a solução não pode ser a desvalorização do cuidado e sim a ampliação dos
agentes cuidadores. Cuidar de si e dos outros é nutrir a nós mesmos e sustentar
os alicerces de todo nosso tecido social. Homens e mulheres de todas as
orientações e identidades sexuais precisam e podem estar juntos nesse suporte em comum.
Maria Stela Maioli Castilho Noll, professora da UNESP e membro do
Coletivo Mulheres na Política e do projeto Mulheres no Plural.