Quando chega o final do ano sempre fazemos uma retrospectiva.
Mas não há muito que comemorarmos
em 2021, pois parece que qualquer acontecimento feliz deste ano está ofuscado
por outros infelizes: custo de vida elevado; muitas pessoas passando fome;
aumento da desigualdade social; precarização da vida dos trabalhadores; aumento
do feminicídio. E cada um desses foi agravado com a Covid-19.
Mas apesar de todas as notícias ruins, nós seres humanos ainda
somos teimosos em continuar na luta para melhorar esse mundo e a nossa
realidade e, ao mesmo tempo em que aumentam as estatísticas tristes, ações
concretas de muitas pessoas tentam mudar estes números. Estas pessoas, ao se
organizarem, bebem na fonte da esperança. O grande educador brasileiro Paulo
Freire dizia que esperança não está relacionada com o esperar, mas com o
"esperançar”. O que significa que a esperança tem uma positividade, uma alegria
em si mesma, mas não pode ser passiva, tem que se traduzir em ação daquele que
tem esperança.
Os tempos difíceis que estamos
vivendo podem nos fazer pensar que "esperançar” é infantilóide, ilusório. Os
mais velhos vão se lembrar de um clássico da literatura infanto juvenil (para
as moças) chamado Poliana. Poliana era uma menina órfã que no meio dos inúmeros
problemas de sua vida difícil resolveu criar o "jogo do contente”. Em cada
situação ela buscava algum aspecto para ficar contente. O livro forçava a
situação sobre a possibilidade de ser feliz em qualquer circunstância,
certamente esse sim, era infantilóide e ilusório, mas o exercício de buscar uma
fresta de esperança no cotidiano não é. "Esperançar” é agir, é buscar esperança
porque ela realmente existe. É buscar esperança para justamente poder agir e
criar as condições para que as possibilidades de ser feliz possam de alguma
maneira acontecer.
Paulina Chiziane é uma escritora
moçambicana que ganhou em 2021 o prêmio Camões de literatura. Em seu mais
famoso livro chamado "Niketchee” ela é enfática: "Quando as mulheres se
organizam, os homens não abusam”. Aqui não há uma hostilidade direta em relação
aos homens, mas é preciso compreender que vivemos em uma sociedade machista, e
sim, é preciso que as mulheres se organizem. Assim como porque vivemos em uma
sociedade racista, é preciso que os negros se organizem. Assim como porque
estamos em uma sociedade capitalista e de classes, é preciso que os
trabalhadores de alguma maneira se organizem. Certamente o correto e o
necessário seria romper com essas características do nosso sistema, mas também
para isso, precisamos nos organizar.
A violência contra a mulher,
assim como inúmeros outros problemas sociais que temos, é um problema
multifacetado. Multifacetado nas suas origens, nas suas manifestações, nas suas
consequências. Para seu combate, uma multiplicidade de atores e instituições são
necessárias. Para o próximo ano, pensando na violência doméstica
e em todos os demais problemas que nos envolvem, esperançar e organizar é
preciso. Porque viver não é preciso, mas
é necessário. E a busca de uma vida um pouco mais contente para todos, é só o
que temos.
Maria Stela Maioli Castilho Noll,
professora na UNESP/Campus de São José do Rio Preto, membro do coletivo
Mulheres na Política.