Não tenho fotos de nenhuma delas, pois à época em que as conheci, jamais sonhávamos que a tecnologia pudesse nos proporcionar o telefone celular e outras facilidades que o mundo digital nos contempla, mas, em nome da Durvalina, Maria e Cida, homenageio as mulheres negras, as desconhecidas, as não famosas, de igual importância, fontes de inspiração para mim
Começo falando da Durvalina, cujo
apelido era Dorva. Trabalhava para minha família e como não poderia deixar de
ser, doméstica, consequências do processo histórico cultural do país, com o
regime escravocrata que persistiu, apesar de que, há mais de um século a Lei
Áurea tenha abolido a escravidão no Brasil, do ponto de vista legal, pois na
prática, temos reflexos até hoje da enorme desigualdade no que diz respeito ao
tratamento dado aos negros.
Voltemos à Dorval. Negra, mas tão
negra, da cor do pássaro preto que cantava todas as manhãs para ela, quando
chegava a minha casa. A imagem que tenho gravada em minha retina, era seu olhar
cabisbaixo, a lavar a louça na pia da cozinha. Sempre a respeitamos, pois não
tínhamos ranços preconceituosos. Gostávamos dela e ela de nós.
Já a Cida, era tão esperta, tão
esperta, que quando não queria ir trabalhar, criava um monte de artifícios
inimagináveis que faziam minha mãe rir demais. Como ela morava longe e tinha um
problema de saúde, se não aparecesse causava preocupação. Aí mamãe ia até a sua
casa para ver se havia algo errado. Quando percebia o carro chegando, se
escondia debaixo da cama ou atrás da porta para que não a encontrassem.
Entretanto, esses seus ardis hilários fazia a alegria de todos. Certa ocasião,
minha mãe que morava sozinha, passara mal com vômitos e diarreias e ela
prontamente, alertou aos familiares para que a levassem para o hospital, pois
os dedos dela estavam ficando roxo e que ela iria morrer. Quanta sabedoria numa
pessoa tão simples. Mamãe foi diagnosticada com pancreatite e foi salva da
morte iminente, graças a essa abençoada criatura.
Maria também nos causou fortes
emoções com informações e atitude as mais engraçadas possíveis. Certo dia,
anunciou com pompa e circunstância que sabia fazer caviar. A meninada achou
graça e claro, quisemos saber como era e ela na sua simplicidade e
desconhecimento, sapecou:
-
Faço com sardinha, salsinha, maionese e de quebra, berinjela.
Foi demais!
Outro aspecto interessante da
nossa convivência, era que ela tinha um namorado que morava em outra cidade e
quando o dito cujo aportava na nossa, ela não queria nem saber, largava tudo e
ia se encontrar com ele.
Tempos de harmoniosa convivência,
respeito e consideração nossos e delas. Saudade!
Merli Diniz
Professora, advogada, escritora,
poeta e cronista, Diretora do Sindicato dos Escritores de SP e membro da
Comissão de Direito e Literatura da 22 ª Subseção da OAB/SP