Primeira artista negra a conquistar a Tríplice Coroa de Atuação
"A invisibilidade do combo formado
pela negritude e pela pobreza é algo brutal”. Abro este texto com uma das
emblemáticas falas de Viola Davis em seu livro autobiográfico, "Em busca de
mim”, em que a atriz norte-americana conta como a sua trajetória de vida foi
marcada pela opressão social, racial e de gênero; denuncia os efeitos nefastos
da violência doméstica e social que sofreu – especialmente na infância e na
adolescência – e expõe como conseguiu seguir esse caminho espinhoso até
conquistar um lugar de prestígio nas artes cênicas e mudar a rota de sua vida.
Viola Davis nasceu nos Estados Unidos e
cresceu em situações de extrema instabilidade social. Em seu livro, esclarece
que a pobreza que ela e a família enfrentavam cotidianamente não estava
estampada somente na fome, no frio e em toda privação resultantes da escassez
financeira; para Davis, a pobreza estava impregnada na cor da sua pele, no seu
cabelo, nas roupas que vestia, no lugar onde morava e até no cheiro que
exalava.
Esse combo, segundo ela, formado
pela negritude e pela pobreza, a tornava invisível ou repugnante à sociedade.
Destacando situações vivenciadas na escola durante a infância como as mais
traumáticas para a formação da sua identidade humana, a atriz explica que a sua
invisibilidade social só era rompida nos momentos de opressão explícita, com
violência física e verbal, que sofria diariamente.
Conforme relata, desde muito pequena,
procurava entender o porquê de sua existência ser tão detestável às pessoas da
escola, aos colegas de turma, aos professores, à sociedade... Vivia numa
constante busca por se tornar uma "pessoa melhor”, com um "cheiro melhor”, com
uma "aparência mais aceitável”, mas, por mais que se esforçasse e que fizesse o
que lhe "recomendavam”, percebia que ela e as irmãs nunca estavam à altura das
expectativas dos seus opressores. Com suas palavras, diz no livro: "Eu
procurava por algo ou alguém para me definir. Para despertar em mim
amor-próprio e aceitação. Para me mostrar como viver. Para me mostrar que não
havia nada de errado comigo”.
Viola Davis sabia o que era ser
invisível e sentia que a vida dela não importava para ninguém, exceto para ela,
para sua mãe e irmãs. Decidiu que seria atriz e que usaria a Arte para se
curar, expulsar a vergonha que sentia de si mesma e obter a sua libertação.
Depois de interpretar diversos papéis que ela chama de "melhor amiga da mulher
branca” em "filmes de brancos”, Davis alcança uma posição inédita em Hollywood
com a obtenção das principais premiações e se torna a primeira atriz negra a
conquistar a Tríplice Coroa de Atuação, que é o título conferido a quem recebe
respectivamente os prêmios mais célebres do entretenimento: o Oscar no cinema,
o Emmy na televisão e o Tony no teatro.
Além de ser um fenômeno no mundo
artístico, Viola Davis é uma ativista em prol da inclusão na indústria
cinematográfica, segue em luta pela igualdade de gênero, pelas causas das
minorias e realiza projetos e ações no combate aos efeitos da pobreza no mundo.
As mulheres negras são ainda as
que mais sofrem violência doméstica e social. São oprimidas e silenciadas a
todo instante. A história de Viola Davis pode ser uma fonte de inspiração, uma
voz que nos convoca à luta pela inclusão e justiça social.
Tatiana Pinheiro de Assis Pontes é professora
no Departamento de Educação da Unesp de São José do Rio Preto. É representante
docente na Comissão Local de Direitos Humanos da universidade. É membra do
Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CMDM) no biênio 2023-2025