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 Edwidge Danticat. Escritora haitiana
Foto por: Divulgação
Edwidge Danticat. Escritora haitiana

O Haiti não é aqui?

Por: Ariana Pereira
04/11/2023 às 21:35
Artigos

Enquanto leio a comovente história do pai que quer entregar a filha única à rica comerciante da cidade de Ville Rose, para que ela tenha, pelo menos, uma esperança de futuro, ouço no jornal sobre a morte de mais uma criança no Rio de Janeiro. De acordo com levantamento do Instituto Rio de Paz, oito crianças foram baleadas no estado do Rio de Janeiro, desde o início do ano. Todas têm idades entre 9 e 12 anos e moravam em áreas periféricas.


A morte física é chocante. Impactante. Um silêncio abrupto. É quando se escancara o "cala a

boca” realizado dia a dia, principalmente da pobreza, da miséria, das negritudes e, de maneira

ainda mais enfática, da mulher negra. Neste tempo de lembrança da Mulher Negra, Latino-

Americana e Caribenha, me deparei com Edwidge Danticat. Escritora haitiana, que, como a

protagonista do seu livro "Clara da Luz do Mar” (Editora Todavia), - esse que eu lia quando

ouvi a notícia de mais um silêncio abrupto nas comunidades periféricas (ou de seu vir a ser

escondido na criança) - teve de migrar em busca de futuro. A escritora de 54 anos saiu do Haiti

aos 12 e foi morar nos Estados Unidos, mas carregou as raízes de seu povo e faz da realidade

de seus ancestrais a matéria prima da escrita.

Falando das perdas cotidianas, das batalhes enfrentadas contra um sistema corrupto, da

miséria humana, com o toque da sensibilidade de quem se importa e de quem carrega em si as

marcas de um povo, Danticat toca profundamente no território da humanidade. E, enquanto

lia suas letras, pensei: por que essa mulher não está estampada nas livrarias e sites de livros?

Onde está Edwidge Danticat?

A escritora é premiada mundialmente, figurando, inclusive, como a primeira autora da história

a receber pela segunda vez o National Book Critics dos Estados Unidos e o Story Prize. Autora

de mais de 20 obras entre ficção, não-ficção, infantis, contos e romances, com a abordagens

de temas fortes como a identidade nacional e a diáspora política, em um trabalho árduo para

manter suas origens e obter o reconhecimento delas em uma outra cultura. O que fica

explícito em alguns trechos de sua única obra a que se tem fácil acesso em língua portuguesa:

"Tinha ouvido falar de gente que fora infantilizada enquanto aprendia uma língua nova, de

gente que acabava limpando casas ou o traseiro dos filhos dos outros. Ela via essas pessoas

voltarem a Ville Rose no Natal ou nas férias de verão com penteados extravagantes e roupas

que pareciam caras, mas seus olhos sempre as traíam. Toda a humilhação que tinham

suportado podia ser detectada ali. A pele também as traía, as queimaduras do vaporizador da

lavagem a seco ou do lava-rápido ou das cozinhas de restaurantes, tão visíveis quanto as

marcas a ferro e fogo nos animais”.

Edwigde Danticat faz do apagamento do seu povo, da sua cultura e raízes, um grito. Escancara

para o mundo as desventuras do Haiti, mas exalta a exuberância de sua cultura e a força de

sua gente, que segue firme contra as intempéries e as injustiças. Assume, como ela disse em

entrevista ao jornalista Jorge Pontual, o risco de "Criar perigosamente”, inspirada em um

discurso do escritor Albert Camus: "Para mim, é essa ideia de inspiração, de como alguém é

inspirado por pessoas que sabem que escreveram um livro que é perigoso ler, ou sabem que é

perigoso escrever um livro específico, mas agem apesar disso e melhoram a vida de todos

nós”.

 

Ariana Pereira é mãe, jornalista e membra do coletivo Mulheres na Política. Mulheres na

Política - Mulheres negras que nos inspiram.







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