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Abner Tofanelli

Violoncelista, artista de rua, ex-deputado jovem, estudante de Gestão Pública e ativista pela cultura e educação


Cidadão de bem? Bem pra quem?

Por: Abner Tofanelli
27/09/2019 às 10:49
Abner Tofanelli

Antes de começar quero deixar bem claro que esse artigo contém argumentos, ironia e muitas provocações. Se você tem total convicção sobre seus posicionamentos, é agressivo com as divergências e não há nada que possa abrir a sua mente sobre determinados assuntos, me cabe alertar que esse artigo é inapropriado.


Tirinha publicada na página Armandinho

O Brasil vive uma onda de rótulos. É rótulo pra tudo, para o bem e para o mal; há para os progressistas e para os conservadores. É o esquerdista, o fascista; o petista, o coxinha; e recentemente a nova moda – que nem é tão nova assim – é o rótulo de "Cidadão de Bem”. Qual seria a definição do dito cidadão de bem? Aquele que não é mal? A primeira vez que ouvi esse termo pensei, "poxa, que legal! Eu sou um cidadão e me considero um cara do bem. Que orgulho". Mas o termo começou me chamar mais atenção quando percebi que, além de um adjetivo natural, estava sendo utilizado como um adjetivo político-conservador. Ou melhor, quando passou a ser entendido como um rótulo de alguém que traz em sua bagagem uma série de costumes religiosos institucionalizado ideologicamente e de raciocínios pré-estabelecidos que podem até sobrepor-se a razão. 

Eu vi homens baterem no peito dizendo orgulhosamente serem cidadãos de bem e outrora expor que era preferível ter um filho bandido a ter um filho "viado” (porque ser homossexual, para ele e sua bolha, seria ir contra os valores de um "cidadão de bem”); e vi também, em outra ocasião, o mesmo cidadão dizer que bandido bom é bandido morto. Causou-me muita estranheza tamanha hipocrisia, afinal, como pode um cidadão de BEM desejar, de certa forma, o mal a seu semelhante? Expor preconceitos, maldades e desejos vingativos internalizados sem nenhum peso de consciência ou responsabilidade emocional parecia muito naturalizado, afinal, ele se encaixava exatamente dentro deste estereótipo abordado. 

O cidadão de bem está sempre em alerta tentando "reparar problemas” da sociedade. O diferente parece ser seu o maior inimigo. Imagina só a ideia de um mundo livre, onde os cidadãos sigam seus desejos independentemente do que os outros pensam como deveria ser?

Ser classificado como cidadão de bem, nestes parâmetros analisados, te elevaria a um nível de superioridade e de legitimação de ideias diante do resto da sociedade. Seu raciocínio sempre estará mais correto, pois há um sentimento de maioria, de unanimidade, talvez até de "inspiração divina”, e isso é ainda mais potencializado quando levado para o âmbito político. Hitler quando publicou seu best seller Mein Kampf, baseado na sua ideologia e também na de muitos habitantes da Europa, foi considerado um legítimo cidadão de bem em busca do resgate da família tradicional. E assim se fez: sua obra era leitura obrigatória a todos os seus seguidores, natos ou forçados. A ideia de traçar estereótipos direcionados para que todos sigam, não é de agora. O termo cidadão de bem é o maior exemplo disso.

Voltando pra nossa realidade atual há, ainda, pessoas que parecem ter a necessidade de usar o termo e se autointitular antes de qualquer ato ou fala preconceituosa, antiética, intolerante ou que fira os Direitos Humanos de alguém. Questione a veracidade deste rótulo pra você ver, é uma ofensa! - "você não deve ser um cidadão de bem...”. Ah, esqueci de dizer que essa nova categoria social também tem o poder de dizer se você é ou não um cidadão de bem, ou se você é o público-alvo do ‘bem’ seletivo que é pregado. 

Geral e ironicamente esse cidadão é alguém com uma moral intocável, vai à igreja, nunca usou drogas (só fuma cigarro e toma uma cervejinha), nunca ultrapassou um sinal vermelho, nunca avisou os amigos da blitz na esquina, nunca furou fila, nunca traiu a mulher, nunca sonegou imposto, nunca usou carteirinha falsa, nunca colocou em xeque a existência de alguém com base em seus próprios ódios e preconceitos, nunca comprou CD ou DVD pirata, nunca fez contrabando gourmet de um iPhone ou das comprinhas no Paraguai, nunca estacionou naquela vaguinha proibida, nunca usou atestado falso, e por aí vai... É realmente um ser que valoriza a ética acima de tudo e os "bons costumes” acima de todos – se é que me entende...

Quais os exemplos públicos mais impactantes desse estereótipo nós podemos encontrar com um clique? O do pastor Steven Anderson, que, em 2014, disse ter uma revelação divina e, pasmem, pregou em público, para adultos, idosos e crianças, a morte de gays. Sim, um Pastor evangélico e cidadão de bem pregou em público sem nenhum remorso a MORTE de PESSOAS, com a justificativa de que era para ‘livrar’ o mundo da Aids (só pra deixar claro, os referidos "gays” são seres humanos igualmente amparados pela lei como qualquer pessoa, e pregar a morte de qualquer um que seja amparado juridicamente pela lei, além de ser sombrio, é crime!). 

Recentemente, o empresário Marcelo Morelo espancou monstruosamente a esposa e foi detido pela polícia. Na delegacia, ao ser fotografado, sorriu. O que mais me chamou atenção era que em seu perfil do Facebook, Marcelo se classificava como cidadão de bem e fazia uma intensa militância bolsonarista interligada à defesa dos valores cristãos, da "família” e dos cidadãos de bem, estranho não?! O perfil de Morelo é o mesmo de três casos recentes: o do Doutor Bumbum, o do professor de biologia que jogou a esposa do quarto andar e o do empresário flagrado no motel com uma criança de 13 anos. Outro caso foi o da Elisandra Carolina, de 37 anos, o título de seu manifesto é: "Um ‘cidadão de bem’ armado me deixou paraplégica e matou meu namorado por ciúmes”. A conclusão fica por conta de vocês. A mim, somente a provocação e o questionamento.

Você conhece alguém semelhante aos cidadãos de bem aqui citados? Você vive essa hipocrisia? Humildemente reveja seus conceitos. Tenha consciência. Diante de tudo isso eu me recuso a ser classificado neste mesmo rótulo, mesmo tendo total consciência de que eu sou sim um cidadão, sou do bem e da paz e jamais, de forma alguma, faria mal a um semelhante ou colocaria meus julgamentos acima de seus Direitos Humanos. Ah, e quando eu falo de Direitos Humanos não estou me referindo a mimimis e blábláblás como ultimamente também vêm sendo demonizados. Estou me referindo a todos os direitos básicos relacionados à garantia de uma vida DIGNA a todas as pessoas. Essa garantia existe pelo simples fato da pessoa ser humana e isso deve ser inquestionável! É algo simples: o que eu tenho como verdade, valores e costumes são legítimos, mas podem não ser os mesmos do meu próximo. Porém, desde que haja respeito mútuo e o mínimo para que a dignidade de ninguém seja ferida, está tudo certo!

É notório que os rótulos jamais deixarão de existir, porém o que falta na sociedade para a contração da hipocrisia social e uma melhor convivência em grupo seria colocar em prática a práxis da palavra empatia. Empatia deveria ser a palavra do século. Ela carrega em si um raciocínio e sentimento capaz de amenizar todos os problemas causados pelo ser humano, seja no micro ou no macro. Empatia é saber que o planeta não gira em sua volta (se você não for terraplanista, claro). É além de se colocar no nosso lugar, se colocar no lugar do próximo e tentar entender o porquê de tal coisa. É saber que o certo e o errado são sim construções sociais que não se limitam somente ao que você acredita, desde que nenhuma ação decorrente fira a dignidade de ninguém. Seus valores são baseados somente no que VOCÊ viveu e acredita, porém eles nunca serão verdade absoluta e ninguém deve ter a obrigação de acatá-los, apenas de respeitá-los. 

É preciso deixar bem claro que toda unanimidade é burra e que cidadão de bem não é aquele que se apropria desse termo pra poder justificar a exposição de suas intolerâncias, ódios e preconceitos, mas sim todo aquele que, independentemente de seus valores e costumes, não fira a dignidade, a integridade e os direitos humanos de ninguém, porque tem plena consciência de que além de cidadãos, somos seres humanos e convivemos todos juntos.







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