Hoje comemora-se o Dia Internacional da Mulher. Uma data em que vemos floriculturas fazendo campanhas, docerias com pedidos especiais, cartões de celebração sendo distribuídos. Mas o que essa data traz consigo? Por que, antes de mais nada, devemos atentar-nos ao que a história nos conta sobre as celebrações atuais?
Historicamente, a mulher foi alijada de participar ativamente da
vida política e democrática, ficando restrita aos cuidados domésticos. Aos
poucos, com os movimentos feministas, as mulheres começaram a conquistar espaço
na sociedade para que pudessem exercer sua cidadania. Recentemente, por
exemplo, comemorou-se os 90 anos do voto feminino no país.
Todo esse contexto histórico sobre a mulher na sociedade
brasileira é extremamente importante para entendermos os problemas que existem,
ainda hoje, em relação ao direito das mulheres no país. E é por isso que o
resgate da memória e da verdade é algo tão importante, principalmente em tempos
de retrocesso na conquista de direitos.
Conhecer a fundo nossa história é fundamental para que exista uma
formação mais humanizadora dos cidadãos e o fortalecimento do regime
democrático. Por meio do resgate da memória e da verdade pratica-se a
construção da identidade do indivíduo e da sociedade. Com a Educação em
Direitos Humanos é possível trazer à tona o passado, repensando o presente e
educando socialmente para que práticas autoritaristas e violações de direitos
nunca mais aconteçam.
Atualmente, vemos um desmantelamento das políticas de memória em
nosso país. No Arquivo Nacional, responsável por abrigar muitos dados
históricos, servidores denunciam a eliminação indiscriminada e sem embasamento
técnico de documentos financeiros. Uma decisão da 6ª Vara do Tribunal Regional
Federal de Pernambuco determinou a remoção de seis páginas do relatório final
da Comissão Nacional da Verdade, importantíssima para apuração dos crimes
cometidos na ditadura civil-militar brasileira. O Decreto 10.148, de 2019,
retirou do Arquivo Nacional a prerrogativa de decidir ou não sobre a eliminação
de documentos.
São várias situações que revelam a falta de políticas públicas em
torno do resgate da memória e da verdade, ou pior, um verdadeiro desmonte das
políticas até então existentes. No que concerne às mulheres, o relatório final
da Comissão Nacional da Verdade revela as graves humilhações sofridas por
mulheres, durante a ditadura civil-militar, em decorrência do gênero. Aparecem
sistematicamente relatos de humilhações, torturas e maus-tratos acompanhados de
atos misóginos e violência sexual.
Sem o entendimento do mal que o machismo e a misoginia podem
trazer para a sociedade, continuamos a repetir os erros do passado. A ditadura
foi responsável por consolidar em nossa sociedade uma violência banalizada e
institucionalizada, que se perpetua ainda nos dias de hoje.
Por isso, meu apelo é para que tentemos, ao máximo, buscar a
memória e a verdade sobre a nossa história. Não apenas hoje, mas todos os dias.
Não apenas em relação às mulheres, mas em relação a todos os sujeitos. Celebrar
o Dia Internacional da Mulher é reconhecer seu passado e sua história,
repensando políticas para acabar com a violência de gênero e promover uma real
igualdade.
Flaviana de Freitas Oliveira é advogada, jornalista e professora.
É coordenadora suplente do Núcleo de Memória da Comissão de Direitos Humanos da
OAB/SP e doutoranda em Educação na UNESP de Marília.