Em uma sociedade extremamente desigual, somos colocados na posição de competição com os outros, onde "ganha” a corrida quem pode mais, crescemos ouvindo que precisamos estudar para sermos "alguém” na vida, mas sabemos que o sol nasce para todes, porém as oportunidades, não.
De três gerações da família, fui a primeira a conquistar o tão
sonhado ensino superior, cursei Serviço Social numa faculdade particular, onde
careci de programa estudantil para concluir o ensino, e a partir de então
muitos desafios, aprendizados, muitas frustrações, sonhos e transformações.
Neste período tive contato com movimentos estudantis, movimentos
de mulheres (MML), partidos políticos e movimentos negros das mais diversas
siglas, aos poucos fui percebendo que desconhecia meus antepassados e passei a
compreender os motivos de até então não haver nenhum de nós "formado”. Foi
nesse processo de aprendizado que passei a enxergar o quanto negava minhas
raízes e origens, até meu cabelo era alisado, tentando seguir um padrão que há
muito tempo estava imposto na sociedade como o mais "aceito”.
Em minha trajetória de formação, comecei a me enxergar, e a partir
daí meu processo de aceitação e transição capilar. O processo de transição
impactou tanto que inspirou outras mulheres da família, que assim como eu, são
negras. Enfim, nos livramos do alisamento químico que tão mal faz a nossa saúde
e ao nosso fio, para dar espaço a nossa beleza natural. Percebemos que para
além da estética, seguíamos o padrão que a sociedade queria.
Além deste processo, pude compreender como a educação liberta e
transforma vidas e o quanto sofremos nesta sociedade apenas por ser mulher, e
sendo negra, o sofrimento é dobrado, pois lidamos com o machismo e o racismo
estrutural diariamente. Infelizmente as mulheres negras ainda são as que menos
se formam ou concluem o ensino superior, são as que estão nos piores postos de
trabalho, estão na vala do desemprego, e as que mais morrem em decorrência de
violência doméstica, segundo o mapa da violência. Carregamos o peso do machismo
e do racismo sofrido por nós nos espaços, que ainda estão arraigados nesta
estrutura patriarcal de poucas oportunidades.
Batalhamos para que o conhecimento e a justiça social cheguem a
todas as mulheres, mas para isso ainda há muito caminho para percorrer, é
preciso lembrar que no passado mulheres
corajosas lutaram e tiveram conquistas importantes e que é preciso ir
além, por um mundo onde sejamos
totalmente livres, de qualquer forma de opressão, que não nos permite ser o que
queremos, que sejamos livres do machismo, do racismo, da LGBTQIA+fobia, da
transfobia e todas as formas de opressão ao corpo feminino.
Lutamos pelo fim de qualquer padrão, pelo fim da violência contra
as mulheres e dos feminicídios, por mais emprego, salário e direitos, bem como
igualdade de oportunidade, salário igual para trabalho igual, por uma educação
que transforme e que seja pública e gratuita para acesso da classe
trabalhadora, porque só assim conseguiremos enxergar uma possibilidade de
mudança societária que nos libertem das correntes da opressão. Certamente se eu
sou, porque nós somos, vale dizer que eu serei quando todas nós conseguirmos
ser também.
Sirlane de Souza Santana, Assistente Social, especialista em
serviço social na saúde, militante do Movimento Mulheres em Luta - MML e
integrante do Comitê de Assistentes Sociais no Combate ao Racismo e conselheira
do CRESS seccional Rio Preto.