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Palestrante e ativista pró-igualdade racial,  Mestre em Ensino, Analista de Inclusão e Diversidade e membra Colaboradora do GT do Núcleo Negro para Pesquisa e Extensão NUPE/Rio Preto.
Foto por: Arquivo Pessoal
Palestrante e ativista pró-igualdade racial, Mestre em Ensino, Analista de Inclusão e Diversidade e membra Colaboradora do GT do Núcleo Negro para Pesquisa e Extensão NUPE/Rio Preto.

Mulher veneno

Por: Juliana Costa
08/03/2022 às 11:00
Artigos

"Mulher é expressão cósmica de vida, é um poema com asas no corpo. Mulher é pensamento, é uma nave espacial ...com curas e feitiços, e se tem veneno é para o beiço dos covardes.” O trecho citado trata-se de uma poesia que pode ser ouvida pela voz de Suede Kinte ao final da Música "Levante Amazona” do Grupo Alafia.


Talvez seja um dos trechos poéticos mais expressivos para mim sobre o que é ser mulher, principalmente quando ela cita que a mulher pode ser veneno. Recordo-me, com isso, de todas as vezes que fui veneno para uma sociedade ainda construída em um alicerce machista e patriarcal, dos momentos nos quais a minha posição profissional foi questionada, e sei que grande parte disso é resultado da minha identidade feminina e negra.

A história nos conta que ser mulher e ter um cargo profissional de destaque não combinam. Nas entrevistas de emprego ainda ressoam as velhas perguntas: "Você tem filhos? E com quem eles ficarão quando você estiver trabalhando?” Depois, quando somos aprovadas no processo seletivo, mesmo com as nossas singularidades e capacidades, ao ascender, somos obrigadas a ouvir frases como: "Ela só conseguiu porque seduziu o chefe.” Como se dentro de um corpo feminino não fosse possível existir a capacidade técnica.

Como se a condição de mulher e a realização profissional fossem incompatíveis.

Uma mulher com sonhos profissionais é veneno para os covardes.

Foi com a constituição de 1934, no Brasil, que as mulheres passaram a ter direitos trabalhistas em decorrência de suas reivindicações e também do processo de industrialização. Com jornadas exaustivas, poucos direitos, e com remuneração inferior a dos homens, as mulheres adentraram o mercado de trabalho e ainda é sob esse "modo operante” que conduzimos nossa sociedade na avaliação dos sonhos profissionais femininos. É assustador constatar que a inserção da proibição de diferenças salariais, entre homens e mulheres, só se consolidou, legalmente, com a Constituição de 1988. No âmbito das profissões domésticas, grande parte ocupada por mulheres (destaco aqui mulheres  pretas), somente em 2013 com a "pec das domésticas”,”garantimos a elas direitos básicos como jornada de trabalho de 8 horas diárias ou 44 horas semanais.

Segundo dados do IBGE de 2019, nós mulheres, recebemos 77% da remuneração dos homens, além disso, nossa dupla jornada ainda é um elemento impeditivo para que possamos nos dedicar mais às nossas profissões. Parece um absurdo, mas ainda não conseguimos dividir as atividades domésticas de maneira igualitária entre homens e mulheres, algo que olhando de fora deveria ser no mínimo simples.

Concluo que o mundo ainda se acovarda ao ver uma mulher que sonha fora das paredes de seu lar, e o que nós mulheres precisamos pensar, não é em como deixarmos de ser veneno e sim em uma forma de nossos sonhos serem cada dia mais livres para voarem por ambientes diferentes daqueles que até o momento foram e são impostos a nós.

Que todas nós sejamos um veneno letal para aqueles que nos impedem de sonhar.

 

Juliana Costa - Palestrante e ativista pró-igualdade racial,  Mestre em Ensino, Analista de Inclusão e Diversidade e membra Colaboradora do GT do Núcleo Negro para Pesquisa e Extensão NUPE/Rio Preto.

 







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