Quando pensamos na nossa construção como sociedade, percebemos que muito do que vivemos hoje é resultado do nosso passado, parte dessa herança são as nossas dores, assunto muito discutido pela escritora Vilma Piedade em seu livro Dororidade,
Vilma Piedade é uma mulher preta, brasileira e do
axé, natural do Rio de Janeiro, escritora e professora de língua portuguesa e
de religiosidade de matriz africana, uma referência viva do feminismo negro no
meio teórico e acadêmico, ela cunhou o conceito dororidade, e é a partir desta
perspectiva que gostaria de desenvolver esse artigo.
Você certamente já ouviu falar em sororidade, que é
a empatia entre mulheres, dororidade parte do mesmo princípio, é um termo usado
para explicar a dor ancestral, a dor que compartilhamos enquanto mulheres
negras, e que de certa forma nos une de maneira empática. Muitas são as nossas
dores em comum, mulheres negras vivenciam a vida toda a rejeição, na infância e
adolescência nossos traços são criticados, nossos cabelos, narizes e peles são
vistos como indesejáveis e errados, sendo convencidas muitas vezes a odiar o
próprio corpo e aparência, muitas acabam se mutilando, alisando o próprio
cabelo com procedimentos que muitas vezes agridem o couro cabeludo de maneiras
irreversíveis, colocando o desejo de se ajustar acima do próprio bem estar,
quando adultas sofremos com a objetificação dos nossos corpos, somos
hipersexualizadas, e acabamos nos submetendo a relações abusivas pois parece
uma alternativa melhor do que toda a rejeição que experimentamos a vida toda.
Outra situação comum entre mulheres negras é a
síndrome da impostora, que é um padrão de comportamento onde o indivíduo duvida
das próprias habilidades e capacidades, independente do quanto tenha se
preparado, um sentimento constante de inadequação, insegurança e não
pertencimento, que nos impede de avançar. Como mulheres negras somos
atravessadas por essas dores cotidianamente, e o principal resultado disso é o
enfraquecimento da nossa identidade e da nossa auto estima, vivemos em um
ambiente que constantemente nos faz sentir que não somos suficientes, e se
quisermos ser minimamente notados temos que ser duas vezes melhor em tudo que
fazemos, esse entendimento além de nos adoecer nos desumaniza.
Lidamos com a essa carga emocional diariamente, em
nossa vida profissional, pessoal e acadêmica, principalmente em ambientes muito
embranquecidos, onde estamos cercados por pessoas que não entendem essa
dinâmica social em que vivemos, e essa experiência pode ser muito solitária e
reforçar todas as ideias dessa síndrome, o que resulta numa vida de cobrança e
de auto sabotagem, deixarmos de aceitar o reconhecimento que merecemos por
nossos trabalhos, também pode resultar em sentimento de culpa e
frustração.
Esse ciclo que atravessa nossa subjetividade nos
mantém presas e impede o nosso progresso pessoal, por isso é necessário
reconhecer e lidar com essa carga de maneira que ela não nos domine, esse
entendimento é ferramenta indispensável para compreender, respeitar e celebrar
a nossa trajetória. Nossa construção diária é feita com muita luta, precisamos
ser capazes de reconhecer nossa potência. Se nossa dor parte do coletivo, nossa
cura também.
Ariane Santos, acadêmica de administração,
PROUNIsta e pesquisadora, militante dos movimentos sociais de raça, classe e
gênero, conselheira no CMA - Conselho Municipal