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Entre correntes e redes

Por: Karina Souza Delgado
07/03/2022 às 22:00
Artigos

Minha mãe perdeu sua mãe muito cedo, aos doze anos de idade ela viu a mãe falecer e se viu sozinha, precisou de ajuda de familiares para conseguir seguir em frente.


Alguns elos da corrente familiar a mantiveram firme.  Algumas redes a sustentaram. Meu avô refez a vida em um novo casamento e aos quinze anos minha mãe precisou tomar conta da própria vida praticamente sem ninguém.     

Por ter este histórico, minha mãe lutava todos os dias para que eu tivesse um futuro diferente.  Ela sempre teve muito medo de partir cedo e me deixar, por isso ela me incentivou a buscar uma vida independente, a seguir o caminho dos estudos para ter uma profissão. Ela, que nunca teve a oportunidade de estudar e tampouco foi incentivada por alguém, entendia – e nos nosso forte elo de relacionamento me ajudou a entender - que para uma pessoa com poucos recursos financeiros, o estudo era o único caminho para ter uma vida independente.

Na graduação resolvi fazer Secretariado Executivo. A Universidade mudou a minha vida e o meu modo de pensar, me abriu para um mundo de possibilidades. Minha rede se ampliou. Novos elos de novas correntes foram criados nesse período.

Nem tudo foram flores. Como mulher negra em uma Universidade pública no final da década de 90 enfrentei muitos percalços, enfrentei dificuldades financeiras típicas de estudantes acrescidas de preconceitos velados e disfarçados de processo seletivo em entrevistas de emprego e estágio. Mas foi na Universidade pública que eu me encontrei como profissional, foram os estágios que eu realizei dentro da Universidade que me levaram a querer – e conseguir - um dia trabalhar dentro do sistema administrativo universitário. Trabalhar com o que eu acredito me faz feliz, saber que o meu trabalho colabora para que a Universidade tenha condições de organizar procedimentos e mecanismos de suporte para pesquisa, ensino e extensão de qualidade, produzidos por docentes e pesquisadores me dá muita satisfação. Na corrente de produção do conhecimento cientifico, eu sou um elo também.

Toda a experiência que tenho no meu trabalho eu procuro repassar para os meus filhos. Como mulher, mãe de dois filhos homens, entendo que é o meu dever mostrar para os meus filhos o meu exemplo, repassar para eles a minha história, as alegrias e os percalços pessoais e profissionais que eu enfrentei e ainda enfrento. Construo junto com eles e a partir deles novas redes de compreensão do mundo. Entendo que a educação de meninos no século XXI requer um direcionamento de igualdade de gênero, pois esta geração será responsável pela manutenção e avanço das conquistas feministas nas últimas décadas, daí a importância de que os futuros homens estejam totalmente preparados para um cenário de reconhecimento de competência e respeito às mulheres em todas as áreas. A rede de apoio às mulheres e de combate ao machismo tem que ser composta por homens também.

Amo a minha família, amo o meu trabalho e entendo que todo dia eu saio para lutar e cumprir objetivos. Estamos todos os dias em um malabarismo e eu só consigo me equilibrar porque tenho outras mulheres me segurando. Nunca estamos sozinhas, aquelas que vieram antes, nos trouxeram até aqui, e eu não posso parar porque outras mulheres estão chegando depois de mim e, nesse sentido, somos e precisamos continuar sendo correntes e redes, sempre em frente, sempre articuladas, sempre juntas.  







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