Solidariedade é algo que se ensina? Somos sujeitos complexos, plurais, movidos a ser inteiros e íntegros.
Como sujeito sócio histórico, cada pessoa torna-se o que é nas
tramas das relações sociais e dos diversos discursos que permeiam sua
existência. Somos seres inacabados, em constante processo de (re)construção,
capazes de se constituir e de constituir o mundo. Neste sentido, a
solidariedade também é um dos elementos que compõem o ser humano; ela pode sim
ser ensinada e resignificada nos diversos contextos.
O contexto influencia no aprendizado do indivíduo. Porém, há
muitos fatores que se articulam para a construção deste aprendizado. Por isso,
podemos afirmar que crianças e jovens, nas mais diversificadas realidades, se
contarem com uma boa mediação familiar, escolar e de grupos sociais, podem sim
aprender a ser solidários. Há belíssimos exemplos disso.
Do ponto de vista biológico há instintos de preservação que
podem ser vistos como solidários, como por exemplo, uma mulher que acolhe e
cuida de uma criança em situação de risco de vida. Porém, entendendo a
solidariedade como algo mais dinâmico, que ganha níveis e significados
distintos ao longo do tempo e na diversidade de culturas, é difícil concluir
que alguém já nasça solidário. É preferível afirmar que todos nascem com a
possibilidade de desenvolver este valor.
Há várias definições do que significa solidariedade; destaco
duas, uma delas é uma definição do papa João Paulo II: "Solidariedade é a determinação
firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos
e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos”. A
segunda é a do teólogo Gutierrez que afirma que a solidariedade é o "amor
eficaz”.
Por que, às vezes, parece difícil se doar ao próximo? Não é
fácil controlar os instintos egoístas e a tendência à acomodação. Nesse
sentido, é difícil superar paradigmas anacrônicos, estruturas obsoletas e
preconceitos em favor do bem comum. Dá trabalho sair de si, estimular a
consciência crítica, reconhecer incoerências pessoais, desenvolver a
alteridade, buscar coletivamente soluções assertivas com foco no grupo. Porém,
a maior parte dos que começaram a desenvolver sua dimensão solidária
encontraram um caminho de realização, ampliaram o sentido de sua existência e
tornaram sua vida mais dinâmica.
Há diferentes níveis de solidariedade. De maneira simplificada,
seria possível destacar três: o primeiro é o assistencialismo. Muitas pessoas
se comovem com o sofrimento alheio e se dispõem a ajudar, mas não
necessariamente colaboram para que as raízes do sofrimento sejam superadas. O
segundo é a fraternidade. Há pessoas que se dispõem a superar preconceitos e
conviver com quem sofre. Aprendem que a solidariedade é um "caminho de mão
dupla”, de interlocução que promove o crescimento de todos os envolvidos. O
terceiro é a defesa e promoção dos direitos e a emancipação dos sujeitos. Quem
está nesse nível assume direta e indiretamente o acompanhamento das políticas
públicas que incidem na vida de todos e o apoio às iniciativas que buscam
superar as causas da vulnerabilidade social e econômica. Pensando assim, afirmo
que ser solidário e fazer o bem podem ser sinônimos, mas têm formas e impactos
distintos.
Como seres histórico sociais, cumpre a nós revisitarmos com uma
boa mediação a multiplicidade de conceitos e resignificá-los em prol da vida
que suplica ao nosso lado. Contudo, em um movimento que interpela o futuro que
nele está sendo gerado, sabemos que a educação de amanhã depende do que somos
capazes de começar a fazer hoje. Ele não virá espontaneamente. Precisamos
juntos trabalhar para esse futuro e ao trazermos para o cotidiano educacional
questões sobre solidariedade, protagonismo, equidade, estamos dando passos nessa
caminhada.
*Osmar Resende é coordenador de Pastoral do Colégio Marista
Arquidiocesano, São Paulo (SP).