Você provavelmente lembra-se de um filme chamado "De volta para o futuro”, no qual o protagonista entra em um carro que viaja no tempo e encontra-se com seus próprios pais jovens.
Na medida em que ele se relaciona
com aqueles que seriam seus pais no futuro, sua própria história e o futuro de
todos vai se alterando.
Pensando no passado do nosso
país, muitos talvez não conheçam a história com detalhes de Zumbi dos Palmares,
mas considerando pelo menos o dia da Consciência Negra, você provavelmente já
ouviu falar dele. Talvez também não saiba o significado que sua figura tem
assumido na história e na luta do povo brasileiro, como um herói de resistência
contra a escravidão e um líder que, junto com outros, ao organizar o Quilombo
de Palmares marcou a possibilidade de uma outra organização social possível. E
Dandara dos Palmares, você sabe quem foi?
Além de companheira de Zumbi,
Dandara foi mãe e lutou com armas pela libertação total das negras e negros no
Brasil, e ainda que não tenhamos muitas informações precisas sobre ela, temos a
possibilidade que tenha liderado homens e mulheres e que pelo menos em termos
do Brasil da época, ela não se encaixava nos padrões de gênero que ainda hoje nos
são impostos. Aliás, essa é mais uma
marca do machismo, a nossa história não foi contada nem incluindo as mulheres e
muito menos sob nossas perspectivas. Com Dandara não foi diferente. O quilombo
de Palmares depois de muito resistir foi destruído. Zumbi foi morto e Dandara
suicidou-se, conseguindo jogar-se em um abismo depois de presa, para não
retornar à condição de escrava.
A escravidão nos moldes dos
tempos de Dandara se acabou, mas outras formas de escravidão se colocam modernamente
que vão desde o trabalho explicitamente escravo em áreas rurais ou urbanas até
o trabalho precarizado, que ainda que pago, mantém suas bases de péssimas
condições de trabalho e ausência de direitos. A invisibilização das mulheres
permanece. As Dandaras modernas
continuam liderando seus quilombos e organizando as lutas cotidianas às vezes
junto com seus companheiros, às vezes sozinhas.
O que diria Dandara nos dias de
hoje vendo o que estamos vivendo? Talvez diante da lista de problemas que ainda
persistem, ela ficaria triste, mas certamente vendo alguns pontos que avançamos, ela se alegraria. Caminhamos,
mas ainda há muito que caminhar.
O esquecimento de Dandara é
também uma forma de a violentar. Rememorar seu nome e sua luta, assim como de
outras mulheres negras e não negras ocultas em nossa história é também uma
forma de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres. Rememorar é
reorganizar também nosso futuro.
Não temos, como no filme, uma
máquina que nos permita voltar ao passado, mas de maneira simbólica, entretanto
igualmente eficiente podemos reescrever nossa história e nosso futuro,
revisitando nosso passado e considerando outras personagens importantes que a
construíram e foram esquecidas. Salve Dandara de Palmares!
Denise Maria Ferreira
Coordenadora responsável Projeto Meninas do bem, membro do
coletivo Mulheres na Política e Grupo Mulheres do Brasil Comitê da Igualdade
Racial, vice-presidente do Conselho Afro de São José do Rio Preto. 21 dias, 21
vozes femininas pelo fim da violência contra a mulher.