Neste mês de novembro em que iniciamos os 16 dias de ativismo pela fim da violência contra a mulher, recebemos a notícia que o Brasil foi condenado por feminicídio pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em decorrência do assassinato de Márcia Barbosa de Souza.
A menina de 20 anos foi morta em 1998 por um Deputado Estadual da
Paraíba (Aércio Lima), que se beneficiou de foro privilegiado para permanecer
sem julgamento. Por ser deputado, o processo só poderia ter início mediante a
concordância da Assembleia Legislativa da Paraíba, o que nunca ocorreu. O
deputado só pode ser processado 5 anos após o crime, quando não foi reeleito
para o cargo. A condenação ocorreu em 2007 e, por recorrer da sentença, Aércio ficou
em liberdade até 2008, quando faleceu, portanto, sem nunca ter sido preso. Nesse
contexto, ainda houve uma tentativa de desmoralização da vítima, pela
utilização dos estereótipos sexuais comumente e covardemente atribuídos às
vítimas de feminicídio.
O cenário dessa tragédia mostra nitidamente a postura machista e
protecionista entre a maioria dos parlamentares de nosso país, em todas as instâncias.
O caso da Márcia não é um caso isolado. Uma das maiores violências de
parlamentares contra uma mulher ocorreu durante o processo de impedimento da
presidenta Dilma Rousseff, em 2016. A frase "tchau querida” na boca e nas
placas de parlamentares federais não matou fisicamente a ex-presidente, mas
certamente foi um ato de violência psicológica. Um desrespeito imenso à mulher
com o mais elevado cargo de liderança do país.
Além de "tchau querida”, outras frases e comentários humilhantes foram
expostos na mídia. A presidenta, no entanto, passou elegantemente por esse
processo, sem trazer à tona as consequências psicológicas dessas violências "sutis”.
Alguém pode dizer que não foi machismo, pois foi apenas um protesto. Mas, certamente
se o presidente fosse homem não haveria tal violência, como não houve durante o
impedimento de Fernando Color de Melo.
Seguindo a linha do tempo, em 2018 tivemos que ouvir que "a mulher nasce
de uma fraquejada”. Em 2021, um Deputado estadual "sem querer” colocou a mão
nos seios de uma deputada, quando ela defendia suas ideias na Assembleia
Legislativa de São Paulo. Alguma punição? Ridículos seis meses de suspensão. Obviamente,
não poderia faltar a difamação, colocando a índole da deputada sob suspeita, como
tentativa de minimizar o ato violento.
Casos como esses deixam uma conclusão assustadora: os parlamentares praticam
e são coniventes com a violência direcionada às mulheres. Ainda que saibamos
que não são todos que pensam dessa forma, infelizmente também não são todos que
defendem abertamente nossos direitos.
Nenhuma mulher deveria ser agredida, nem morta física ou mentalmente por
aqueles que têm a obrigação de cuidar de seu povo. Por isso, precisamos manter
os protestos, comemorações e reflexões constantemente, pois atos de violência
provocados por representantes no governo atingem todas as mulheres do país.
Eliane
Gonçalves de Freitas é bióloga e docente da UNESP de São José do Rio Preto. Integrante
do grupo Mulheres na Política, do grupo Com Ciência do IBILCE e do Conselho
Municipal dos Direitos da Mulher de São José do Rio Preto - 21 dias, 21 vozes femininas pelo fim da
violência contra a mulher.