Desde muito menina ouvia falar sobre violência doméstica, porém não com esse nome propriamente dito.
Sou fruto de um relacionamento de
muito respeito e amor. Porém na minha rede familiar de corpos negros humildes e
periféricos, essa situação sempre foi muito vivida desde minhas avós. Mulheres
que com a força de seus braços e suor do seu rosto trabalhavam de sol a sol
para ajudar a sustentar a família. Quando via ambas ou minhas tias chorando as
escondidas e nunca obtinha respostas não imaginava que sua voz, mente ou corpo
estavam sendo agredidos de alguma forma. Choros velados.
Na adolescência quando já era
reconhecida pejorativamente como "Preta”, romantizava que me tratavam
"carinhosamente” e que era preciso me resignar e aceitar, assim como minhas
avós e tias. E assim segui anos a fio acreditando que isso era uma forma de
carinho e incentivo, e durante as noites, quando o choro vinha, acreditava que
era meu dever sufocá-lo, pois esse era meu destino. Resignação velada.
Reconhecer-me Mulher Negra e dona
dos meus quereres e lugar, foi o maior ato de liberdade que tive já na idade
adulta. Não conseguia identificar, como muitas mulheres, que o fato de não ter
o corpo chamado de padrão e ser negra me
excluía. Frases como "Você tem o rosto lindo”, "nossa apesar de tudo você é
inteligente”, ou "você precisa ser mais inteligente que as outras se não...” revelavam
essa exclusão velada.
O viver artístico mais uma vez me
mostrou que fora dos palcos a gente também constrói a "dramaturgia da Vida”. O
contato com mulheres artistas ou não, empoderadas do seu real papel no mundo me
fizeram retomar o protagonismo da minha história, e identificar que diferente
das minhas avós eu posso escolher e dizer "não”!
Hoje através da minha militância feminista de artista, arte educadora e Mulher Negra busco compartilhar, das mais diversas formas, que cada uma de nós devemos juntas praticar a descolonização de nossas mentes, corpos e ações. É necessário que nós mulheres estejamos atentas e busquemos tecer essa rede de alertas, informações e ações contra a violência aos corpos e mentes femininas. No combate às violências veladas, nos apropriemos da arte e das redes femininas abertas e reveladas.
Beta Cunha, Atriz e Arte
educadora, Psicóloga de formação, integra o coletivo feminista Elas por Elas,
Conselho Afro Municipal e Conselho Municipal de Politicas Culturais. - 21 dias,
21 vozes femininas pelo fim da violência contra a mulher.