Quando afirmo que sou mulher negra digo isso sabendo e sentindo todas as implicações que essa afirmação acarreta. Acredito que ....
Vou começar dizendo
quem sou até o momento, sou Luana Silva de Souza Flor, mulher negra, feminista,
cientista social, professora da rede pública, casada e mais recentemente
promovida ao cargo de mãe da Iana, a flor mais bela!
Quando afirmo que sou mulher negra digo isso
sabendo e sentindo todas as implicações que essa afirmação acarreta. Acredito
que haja uma relação quase que inata, indistinta na nossa sociedade entre
mulheres negras e violência.
Nunca fui vítima de
violência física, e por muito tempo essa prática não esteve em meu horizonte de
convivência. Mas por conta da minha formação e minhas experiencias pessoais
entendo que muitas vezes as violências não chegam ao ato físico consumado. Embora a violência física cause impacto imediato
e que, as mulheres negras sejam vítimas preferenciais, entendo que muitas vezes
– como meu caso – outras dimensões da violência como a institucional,
psicológica, simbólica dão conta do recado.
Tenho refletido
muito de uns anos para cá – principalmente quando comecei a trabalhar na escola
pública - sobre a questão do "ser mulher”, e mais exatamente do "ser mulher
negra”. Trabalhar como professora foi e ainda é um processo muito violento, lidar
com o descrédito, a desconfiança nas minhas capacidades cognitivas, ser questionada
constantemente em relação a minha postura dentro da sala de aula reafirmam pra
mim o quanto o racismo ainda está presente determinando o que é socialmente aceitável
ou não.
Penso que desde de
muito cedo nós mulheres negras aprendemos e sentimos na pele o quão violenta
podem ser as mais simples e corriqueiras interações cotidianas. A violência que
é velada, que não é dita, mas é praticada e também a violência que é objetivada
em nossos corpos seja por meio da agressão física seja por meio da falta de
assistência, descaso, omissão a que estamos submetidas em nossa sociedade.
Exemplos que me
acompanham desde a infância até hoje e que podem parecer irrelevante aos olhos
de quem não experimenta ilustram o que eu quero dizer: sentar na última
carteira na sala de aula, nunca tirar a melhor nota, não ter amigos, não
receber elogios dos professores e os xingamentos constantes no ambiente
escolar. Não conseguir um emprego em uma loja da cidade, trabalhar de empregada
doméstica – e acredito que isso não seja demérito – não ter um relacionamento
afetivo na adolescência. Sentir-se feia, desajustada, ter vergonha da minha
aparência, duvidar das minhas capacidades.
Ser
mulher e ser negra exige uma capacidade de agência muito sofisticada uma vez
que exigências e violências distintas operam em nossas vidas de forma
concomitante. O machismo e o racismo e, muitas vezes a situação de classe
colocam as mulheres negras a em posição de constante desigualdade. Não me
lembro de um momento em minha vida em que não tive que provar a minha
capacidade: estar bem arrumada, ser educada, esforçada e todos esses
estereótipos que fixam em nossos corpos.
Por tudo
isso (e muito mais!) decidi fazer algo para que mulheres como eu não
precisassem experimentar situações de violência como tenho experimentado. Por
isso sou feminista, por isso sou professora, por isso luto para que a Iana e
todas aquelas que conseguir alcançar ou não experimentem a transformações na
sociedade. Que um dia a sociedade não seja mais pautada por definições
opressoras como as de gênero e raça.
Luana
Silva de Souza Flor, mulher negra, feminista, cientista social, professora da
rede pública estadual de São Paulo.21 dias, 21 vozes femininas pelo fim da violência contra a mulher.