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Perto da vitória no Peru, Castillo busca afastar imagem de radical

Por: FOLHAPRESS - SYLVIA COLOMBO
19/06/2021 às 09:00
Brasil e Mundo

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Durante as quase duas semanas da longa espera pela decisão do Júri Nacional de Eleições sobre o resultado do segundo turno...


BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Durante as quase duas semanas da longa espera pela decisão do Júri Nacional de Eleições sobre o resultado do segundo turno da eleição presidencial no Peru, Pedro Castillo, vencedor na contagem dos votos, tem buscado moderar seu discurso.

Em declarações recentes e numa entrevista concedida por seu assessor, o economista Pedro Francke, ao jornal espanhol El País, a mensagem é a de que o radicalismo de esquerda será deixado de lado e de que a postura, daqui para frente, será mais próxima da centro-esquerda.

Esse tom já vinha mudando na reta final da campanha --ainda que de maneira dúbia.

Em atos e comícios na região de Cajamarca, sua terra-natal, Castillo ainda repetia o pacote que o tornou conhecido como candidato: ameaças de fechamento do Congresso, propostas para reformular a Constituição e sugestões de nacionalização de empresas que exploram recursos naturais.

Nos últimos debates, exibidos na TV e para um público mais amplo, porém, negava a ideia de estatizar companhias de mineração e tentava afastar a pecha de contrário à propriedade privada. Por outro lado, continuava a dizer que "o sistema econômico tem de mudar e tem de ser desenhado de baixo para cima".

Pouco antes do segundo turno, Castillo assinou um compromisso, o "Juramento pela Democracia", com vários pontos relacionados ao respeito às instituições e à liberdade de imprensa. O documento é inspirado em uma carta apresentada por Ollanta Humala, que se lançou na política pela via do radicalismo de esquerda e foi derrotado na eleição de 2006. No pleito seguinte, em 2011, além da carta, Humala fez promessas para acalmar o establishment peruano. Cumpriu o acordado.

Francke, o assessor de Castillo, enfatizou nos últimos dias que estariam de fora do projeto de governo as estatizações, as expropriações e o controle de preços. "Colocamo-nos um pouquinho mais a favor do mercado", afirmou. E acrescentou que o modelo a seguir seria o Uruguai governado pela coalizão de centro-esquerda Frente Ampla, que liderou o país de 2005 a 2020.

"O problema é que a incerteza é tão grande de ambos os lados que ninguém pode afirmar que modelo vai ser seguido nem o que vai acontecer", diz à reportagem o cientista político Steven Levitsky, da Universidade Harvard e especializado em Peru. "Vejo muito medo por parte dos fujimoristas e da sociedade em geral em relação a Castillo, incluindo empresários, veículos de comunicação, bancos e militares. E também da parte dele, por saber que é frágil e tem poucas ferramentas e poder para governar, apesar de ter vencido."

Alguns sinais desse medo generalizado estão sendo vistos em Lima. O diretor do Onpe (Escritório Nacional de Processos Eleitorais), Piero Corvetto, foi hostilizado ao sair de um restaurante num bairro nobre da capital por apoiadores de Keiko Fujimori, a candidata derrotada nas urnas. A casa de Corvetto também tem sido cercada por fujimoristas inconformados com o resultado divulgado pelo órgão eleitoral: vitória do esquerdista, com 50,12%, contra 49,87% da filha do ex-ditador Alberto Fujimori.

O anúncio de quem será o próximo presidente do Peru, entretanto, ainda depende do Júri Nacional Eleitoral, responsável por analisar a impugnação de atas de votação, já que Keiko, mergulhada em um discurso de que houve fraude no pleito, pediu a revisão de 300 mil votos e a anulação de outros 200 mil.

Castillo, por sua vez, se vê acuado diantes de críticas relacionadas à desvalorização da moeda nacional, o sol, a queda de mais de 10% das ações de empresas peruanas e a evasão de capital --foram mais de US$ 2,5 bilhões, ou R$ 12,73 bilhões-- desde a vitória dele no primeiro turno.

"É por isto que ele vem se aproximando de uma esquerda mais experiente, mais pragmática e ao centro do espectro político. Porque o partido dele [Perú Libre] não tem quadros técnicos para compor um governo", afirma Levitsky. "A questão é que a situação fragmentada dos partidos políticos peruanos não permite a formação de um sistema de coalizões, como ocorreu no Uruguai ou no Chile durante os governos da Concertação. Castillo sabe disso, e é possível notar o medo dele do establishment."

Nos últimos dias, o candidato buscou dialogar com a esquerda representada pelo Nuevo Perú, cuja líder é a ex-congressista e ex-candidata presidencial Veronika Mendoza, mais experiente e cujo apoio foi definitivo para a vitória de Pedro Pablo Kuczynski em 2016. Mendoza é uma opositora radical do fujimorismo e tem ao seu redor políticos mais experientes do que os do Perú Libre, de Castillo.

O candidato também tem conversado com representantes do Partido Morado, de centro, ao qual pertence o atual presidente, Francisco Sagasti, e é liderado pelo ex-candidato a presidente Julio Guzmán.

O problema de realizar essas aproximações é desagradar os líderes da legenda e os apoiadores mais radicais. Dentro do Perú Libre estão alguns nomes contrários a uma moderação do discurso, como seu líder, Vladimir Cerrón, ex-governador de Junín, processado por corrupção.

Cerrón é defensor do chavismo, assim como a cúpula do partido, e dos "ronderos", grupo paramilitar que segue uma agenda de esquerda mais datada, dos anos 1970.

Levitsky afirma crer que a situação de Castillo lembra a de Alberto Fujimori quando chegou ao poder, em 1991. "Fujimori era o outsider, só tinha o voto popular e o apoio dos eleitores do interior, o establishment inteiro estava contra ele", lembra o analista.

"Começou uma disputa de desconfiança e ataques de ambos os lados, e isso escalou de tal maneira que Fujimori decidiu fechar o Congresso. Isso é o que há para temer: uma escalada ao autoritarismo."



Publicado em Sat, 19 Jun 2021 08:50:00 -0300







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