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Afinal, carne vermelha faz mal ou não? Especialistas discutem os últimos dados

Por: Aaron E. Carroll/New York Times/Agência Folha
03/10/2019 às 16:21
Saúde

Os pesquisadores estão envolvidos em uma nova briga sobre comida.


Nesta semana, a revista acadêmica Annals of Internal Medicine publicou um estudo que argumenta que a carne vermelha representa risco mínimo para a saúde da maioria das pessoas e que até mesmo nosso grau de certeza quanto a esse risco é baixo.

Com essas conclusões em mãos, os autores oferecem recomendações para que a maioria das pessoas mantenha seu nível atual de consumo de carne.

Ainda que eu não estivesse envolvido no estudo, fui coautor de um editorial publicado pela revista para resumir as conclusões, no qual argumentamos que nossas mensagens sobre os perigos da carne vermelha podem estar sendo ignoradas e sugerimos outras mensagens que poderiam funcionar melhor como motivação para que as pessoas reduzam o consumo.

As conclusões e as recomendações quanto a diretrizes, feitas por uma equipe internacional liderada por Bradley Johnston, epidemiologista da Universidade Dalhousie, contrariam as orientações de muitas autoridades de saúde. Nesta semana, diversos pesquisadores que trabalham no campo da nutrição me escreveram para afirmar que discordavam veementemente da publicação do estudo e que sentiam que ele poderia causar males reais.

Eles acreditam que o consumo de carne vermelha e de carne processada industrialmente representa um risco de saúde para as pessoas e que, se elas não reduzirem seu consumo, vão colocar elas mesmas e o planeta em risco.

Mas é bem possível que os leitores se sintam confusos quanto aos riscos para sua saúde. Como é que especialistas podem discordar tão veementemente sobre um mesmo assunto?

As perguntas abaixo podem ajudar a compreender por que até mesmo pesquisadores de boa fé podem terminar em campos opostos no debate.

Que grau de qualidade as pesquisas sobre nutrição podem atingir?
Parte do problema está na dificuldade de conduzir pesquisas nesse campo. É quase impossível (e alguns pesquisadores diriam que é antiético) conduzir o tipo mais rigoroso de experimento —um ensaio clínico aleatório— sobre assuntos como o consumo de carne vermelha. Por conta disso, devemos confiar em dados observacionais: perguntamos às pessoas o que elas comem e estabelecemos correlações entre as informações que elas fornecem e os resultados.

Já outros pesquisadores, como John Ioannidis, especialista em projeto e análise de pesquisas na Universidade Stanford, argumentam que é possível e que talvez devêssemos conduzir ensaios clínicos aleatórios sobre padrões de dieta antes de proclamar conclusões.

O "melhor que podemos obter" é bom o suficiente?
É difícil conduzir bem até mesmo os testes observacionais. A maior parte dos grandes revezes em termos de saúde é bastante rara. É difícil encontrar grandes diferenças em termos de morte, câncer e ataques cardíacos até mesmo em grandes grupos de pessoas, a não ser que elas sejam acompanhadas por períodos longos. Mas quantificar o que as pessoas estão comendo durante longos períodos também é desafiador, porque as pessoas não se lembram.

Estudos como esses também são difíceis de interpretar por conta dos chamados fatores de confusão. Talvez as pessoas que comem mais carne sejam mais pobres. Talvez elas fumem, bebam álcool demais ou não se exercitem. Esse tipo de coisa também pode levar a maus resultados, e é difícil distinguir entre os componentes individuais ao longo do tempo.

Se forem conduzidos ensaios com pessoas submetidas a risco maior —aquelas que já tenham sofrido ataques cardíacos, por exemplo—, fica mais fácil determinar se mudanças importam.

O teste Predimed, por exemplo, que estudou a chamada dieta mediterrânea, tinha por foco pessoas que já sofriam de diabetes ou apresentavam diversos traços que as colocavam em risco elevado de doenças cardíacas. Mas essas pessoas não são necessariamente representativas do público geral, para o qual as recomendações nutricionais são escritas.

Tudo isso significa que indícios observacionais, que são mais fáceis de obter, serão classificados como "de baixa qualidade" por alguns pesquisadores. Outros argumentarão que eles são o melhor que se pode obter, e que, portanto, deveríamos aplicar padrões diferentes a pesquisas desse tipo.

Nas pesquisas, deveríamos nos preocupar com sinais como pressão sanguínea ou só com grandes eventos, como ataques cardíacos?
Por resultados graves serem raros, a pesquisa ocasionalmente considera indicadores intermediários. Esses indicadores, como peso, pressão sanguínea, níveis de colesterol, podem mudar em períodos mais curtos. Haverá quem aponte para estudos nesses campos e diga que eles provam que a redução no consumo de carne tem efeitos significativos sobre a saúde.

Pressão sanguínea elevada ou níveis altos de colesterol são vistos amplamente como fatores graves de risco de eventos adversos. Outros estudiosos discordarão sobre em que medida podemos confiar em indicadores intermediários. Os novos estudos em questão se concentram apenas em resultados de estágio final.

Se os especialistas estão incertos, é aceitável que eles façam recomendações, quaisquer que sejam?
Os críticos dos novos estudos sobre a carne argumentam que, levando em conta a baixa certeza dos autores sobre suas conclusões, eles não deveriam ter feito recomendações. Isso não é insensato.

Quando o Grupo de Trabalho Preventivo dos Estados Unidos não dispõe de provas suficientes para fazer recomendações preventivas, confere a essas recomendações a classificação "I", e afirma que as provas atuais são insuficientes para determinar o balanço exato entre benefícios e danos. Isso é tudo.

Talvez esse devesse ser o método preferível, ao invés de publicar recomendações de que as pessoas mantenham seu nível atual de consumo de carne.

Devemos considerar o indivíduo ou populações?
Mesmo em estudos que identificam efeitos estatisticamente significativos, os benefícios absolutos são quase sempre pequenos. Muita gente argumentará, porém, que mesmo que os benefícios individuais possam ser pequenos, os benefícios para a população podem ser grandes.

Essas pessoas não estão erradas. Digamos que a redução absoluta de risco de câncer no cólon seja de 0,5%. Isso significa que para cada 200 pessoas que reduzam seu consumo de carne uma veria benefício e outras 199, não. Para um indivíduo, pode não parecer relevante.

Mas também significa que, se dois milhões de pessoas fizerem essa mudança, 10 mil veriam um benefício, o que, do ponto de vista de uma população, é ótimo. Mas também significa que 1.990.000 pessoas não veriam benefícios.

Há muitas coisas que podem fazer diferença, em nível de uma população, ainda que as pessoas não se disponham a mudá-las em nível individual.

As pessoas aceitam grandes riscos a cada dia ao dirigir carros e esquiar, por exemplo. Por quê? Porque essas atividades trazem benefícios que os indivíduos avaliam compensar os riscos. Em nossas recomendações deveríamos nos preocupar com o indivíduo ou com a população? Deveríamos permitir que as pessoas decidam por si próprias?
Há quem acredite que não devemos levar em conta nossas preferências ao redigir orientações. O foco deve ficar apenas nos benefícios à saúde e não em outros fatores —como o fato de que as pessoas gostam muito de comer carne. Afinal, ao dizer para as pessoas que elas não devem fumar, não nos importamos se elas "gostam" de cigarro.

Outros podem rebater afirmando que um estudo publicado em 2012 pelo International Journal of Cancer constatou que homens que fumam mais de 30 cigarros ao dia apresentavam risco 10.250% mais alto de desenvolver carcinoma de células escamosas. É um indicador sério. Uma elevação de 18% (risco relativo de 1,18), no caso do consumo de carne industrializada, não é a mesma coisa e, portanto, poderia ser razoável refletir sobre a alegria das pessoas com suas dietas atuais.

Risco relativo é uma referência à mudança percentual do risco absoluto (geral) como resultado de alguma mudança de comportamento (1,18, por exemplo, significa uma mudança de 18% ante 1, e 1 representa a linha de base que denota alteração zero no risco entre o grupo experimental e o grupo de controle.)

Como todas essas questões não têm respostas fáceis ou definidas, pesquisadores podem observar os mesmos conjuntos de dados e chegar a conclusões muito diferentes.

A recomendação deve se preocupar mais com populações ou indivíduos? Que nível de risco deve existir para que isso faça diferença? Preferências pessoais devem ser consideradas? O que devemos dizer diante de indícios inferiores ao ideal?
Infelizmente, no caso do consumo de carne, muitas dessas discussões chegam aos antagonismos tribais.

Por outro lado, existem pontos sobre os quais não vejo desacordo.

Comer carne bovina é um grande problema para o meio ambiente, por exemplo. Comer menos carne para melhorar as perspectivas de longo prazo relacionadas à mudança do clima poderia fazer uma grande diferença, além de ser um provável ponto de concordância entre a maioria dos envolvidos nesses debates.







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