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Aterros se tornaram ideia fixa, mas prioritário é reciclar orgânicos, diz especialista

Por: FOLHAPRESS - MARA GAMA
08/08/2020 às 05:30
Brasil e Mundo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Política Nacional dos Resíduos Sólidos faz dez anos. Aprovada em agosto de 2010, foi tema de debates que se arrastaram por duas d?...


SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Política Nacional dos Resíduos Sólidos faz dez anos. Aprovada em agosto de 2010, foi tema de debates que se arrastaram por duas décadas antes de ter um texto final, que é considerado avançado e comprometido com as leis de defesa do meio ambiente no país.
A lei instituiu a hierarquia na abordagem dos resíduos. Diz que é preciso evitar a geração de resíduos em primeiro lugar, indica que é necessário reciclar os materiais após o uso e que só pode ser aterrado o que não é passível de reciclagem nenhuma, e também traçou as bases para o estabelecimento das responsabilidades sociais de cada setor da cadeia de produção e consumo.
Desde que a lei foi aprovada, a produção de resíduos no país aumentou 11% —passou de 71,2 milhões de toneladas por ano para 79 milhões. Apesar de a coleta ter aumentado, 29 milhões de toneladas são encaminhados para locais inadequados, os lixões, e ao menos 6,3 milhões de toneladas sequer são recolhidos, sendo abandonados no meio ambiente, segundo dados da associação das empresas de limpeza, a Abrelpe.
Mas, embora os lixões sejam um problema ambiental gravíssimo, a discussão focada apenas em acabar com eles e conseguir financiamentos para a construção de aterros é rasa, na avaliação de Antonio Storel.
O fundamental, diz, é reciclar os orgânicos, que são a maior porção do lixo. Tirando os orgânicos e os recicláveis, o que resta, que são os rejeitos, é a única parte que pode ser aterrada. Um volume muito menor. Portanto, para reduzir o tamanho do problema, é preciso fazer a separação doméstica em três frações, no mínimo —recicláveis, orgânicos e rejeitos.
Storel é agrônomo, especialista em gestão e políticas públicas e foi coordenador de Resíduos Sólidos Orgânicos na Autarquia de limpeza urbana na Prefeitura de São Paulo de 2013 a 2016. É consultor Sênior da Humusweb em Gestão Sistêmica de Resíduos Sólidos Orgânicos. Esteve à frente de uma das experiências mais importantes de tratamento de resíduos orgânicos urbanos do Brasil, o projeto que abriu pátios de compostagem com restos de feiras de rua e poda de jardins e vias públicas. A seguir, trechos da entrevista de Storel.
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Pergunta - A PNRS é considerada uma boa lei que não saiu do papel. O que mudou no país por causa da lei?
Antonio Storel - Ela demorou para nascer 20 anos e quando saiu acabou incorporando a legislação ambiental, o que é muito bom. Tudo de positivo que tem na lei ambiental está incorporado: a precaução, o princípio do poluidor-pagador, a necessidade da comunicação social com a comunidade afetada. Esses eixos são muito importantes, porque dão segurança. A lei ambiental, a de resíduos e a do saneamento são interligadas. Não dá para jogar fora os princípios dessas leis. Mas agora é preciso dar um chacoalhão no setor. Fazer ver a prioridade.

Sempre se diz que a sociedade e os governos não fizeram a lição de casa, porque o país ainda tem a maior parte das cidades usando lixões.
AS - Nesses dez anos a discussão ficou muito focada em aterro. O aterro sanitário aparece como única solução possível para as cidades. Mas ele é caro. E dura pouco. Os aterros são soluções de grande escala, boas apenas para municípios grandes. Mas há soluções muito mais baratas e descentralizadas que resolvem 90% dos resíduos em mais de 80% dos municípios – aqueles com menos de 50 mil habitantes (o país possui 665 cidades com população maior que 50 mil).
O mais importante é que a lei instituiu a hierarquia ao falar de resíduos: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento disposição final ambientalmente adequada de rejeitos.
Então, a prioridade tem de ser os orgânicos, que são a maior parte do nosso lixo. Deveria ser o primeiro a ser resolvido. A lei diz claramente que a reciclagem é física, química e biológica. E ela é prioritária em relação a qualquer tratamento.
A compostagem é a reciclagem biológica. E esse material tem de voltar para a natureza. O composto orgânico faz parte do ciclo do alimento. Por isso tem de haver uma segregação boa na origem, para que o produto final seja de boa qualidade para a agricultura. Então, para cumprir a lei, se acaba chegando na necessidade de fazer a separação doméstica em três frações. Com ela, se tem melhor qualidade de orgânico, os recicláveis descontaminados e um volume muito menor de rejeito para mandar aterrar.

Uma das críticas comuns à PNRS é que, apesar de ter desenhado a logística reversa e indicado que há responsabilidade de todos, ela não determina exatamente a abrangência dessas responsabilidades.
AS - É. A indústria fica numa posição muito boa, porque ela espera o reciclável vir até ela. Na lei alemã, existe a responsabilidade estendida dos produtos [a REP trata os resíduos pós-consumo como consequência da produção, assim como a poluição atmosférica ou os efluentes líquidos gerados pelas fábricas e define que os produtores devem ser responsabilizados pelo impacto ambiental destes materiais]. Quem coloca um produto no mercado foi que escolheu a forma que aquele produto tem e tem responsabilidade de cuidar da sua reciclagem e da cadeia inteira. É responsável por buscar e reciclar. Aqui no Brasil, a nossa lei, teoricamente, foi mais democrática e avançada, mas, na verdade foi criada mais uma jabuticaba. A lei fala de corresponsabilidade. Isso paralisa tudo. Se não está determinada a parte de cada um, não anda. A aplicação do conceito do “cradle to cradle” é que se você planejar o produto desde o berço para ele ser 100% reciclável ou 100% compostável seu produto não tem rejeito. Está nas mãos da indústria o poder de reverter.

Seria necessária então uma alteração na lei para deixar claras as responsabilidades?
AS - Acho que a PNRS é boa e não deve ser alterada. Os acordos sobre a responsabilidade são mais uma questão de advocacy, de articulação política e social.

A ideia da reciclagem biológica —compostagem— está avançando no Brasil?
AS - Duas decisões muito importantes mostram que sim. Em 2017, foi aprovada a resolução 481 do Conama que estabeleceu como deve ser o composto orgânico. Agora, em julho de 2020, o Ministério da Agricultura (Mapa), através de uma instrução normativa (61), criou uma diferenciação entre os compostos. Aqueles que vêm de resíduo urbano sem segregação na origem são de classe B e os que vêm de resíduo urbano segregado na origem, sem comtaminantes, são de classe A. Isso cria um mercado real para o bom composto e indica o que o produtor deve fazer para conseguir valorizar seu produto. E o que fazer para ter um bom composto, que pode ser usado para a produção de alimento? Separar bem na origem.
Essa resolução do Mapa mostra também que a compostagem, que era vista como um tema rural, está sendo entendido como um tema da cidade — se fala explicitamente de resíduo urbano— o que é um ótimo sinal do amadurecimento do tema.
Acho que a experiência dos pátios de compostagem das feiras em São Paulo, a maior cidade do Brasil, influenciou essa mudança de perspectiva. Em Florianópolis, de onde veio a tecnologia social que foi aperfeiçoada, havia uma experiência com 2 toneladas. Em São Paulo passamos para 10 toneladas, aperfeiçoamos algumas técnicas e a infraestrutura. O programa demonstrou que é possível, barato e evita o encaminhamento de um grande volume para o aterro.

Como essa experiência foi usada no projeto de reciclagem dos orgânicos de restaurantes em Brasília?
AS - O Instituto Ecozinha envolve 84 restaurantes de Brasília e já tem cinco pátios de compostagem funcionando. Para combinar com os restos de alimentos, são usadas as podas trituradas de árvores que vêm do poder público. O projeto foi impulsionado pela lei que previu que os grandes geradores teriam de cuidar do encaminhamento de seus resíduos diretamente. A separação em três frações para aproveitar orgânicos e recicláveis e diminuir o volume a ser enviado aos aterros se mostrou atraente.
Dei um curso sobre todo o sistema. Do curso, alguns já se interessaram em criar pátios. Eles também fazem a reciclagem de vidro. Se fossem pensar pela lógica da indústria, não reciclariam, pois na região não existe uma fábrica de vidro. Então eles armazenam, moem o vidro e enviam moído, em quantidade maior, para as empresas que fazem vidro. Mas voltado aos orgânicos, apareceu uma outra rota importante. Enviá-los para alimentação de porcos em zonas próximas.
Agora, por causa da pandemia, diminuiu o fluxo dos restaurantes e eles estão captando os resíduos orgânicos de condomínios. O Ecozinha é um bom exemplo. A reciclagem dos orgânicos não tem volta. Está até nas séries. Num episódio recente do “The Umbrella Academy” (série da Netflix), dois personagens aparecem deitados numa montanha de composto.

Publicado em Sat, 08 Aug 2020 05:25:00 -0300







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