O DLNews conversou com representantes de movimentos afros sobre as manifestações antirracistas no interior de São Paulo e no Brasil, após o assassinato do ex-segurança George Floyd nos EUA.
Assustadora e brutal são os adjetivos utilizados pelo docente da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, e assessor da pré-reitoria de extensão universitária e cultura do campus da Unesp de Bauru, professor e doutor Juarez Xavier, 60 anos, para classificar a violência contra a população jovem e negra no Brasil.
O DLNews conversou com representantes de movimentos afros sobre os protestos antirracistas que já duram quase duas semanas em vários países depois do assassinato do ex-segurança George Floyd, morto durante ação policial em Minneapolis (EUA) e dos manifestos do movimento Black Lives Matter, que viralizou nas redes sociais.
"A cada 23 minutos morre um jovem negro no Brasil, isso é tão trágico como nos Estados Unidos. A violência contra a população negra jovem no país é assustadora, é brutal. As políticas públicas para a população negra são sempre duramente conquistadas e é extremamente necessário que se faça mudanças profundas na sociedade brasileira para superar o preconceito, essa ideia de menor valia que a população negra ainda sofre no Brasil, a segregação, o apartheid e o racismo", afirma o professor. "É necessário para que a população negra participe ativamente como cidadã da construção de um país democrático com seus direitos assegurados em um país que possa ingressar no século 21 com condições dignas para suas população independente da cor da pele”.
O presidente do Conselho
Municipal Afro de Rio Preto e membro da União de Negros pela Igualdade (Unegro),
Darok Viana, afirmou que o combate ao racismo não vem somente de manifestações,
mas da união. "O combate ao racismo não vem só de manifestações, mas quando a
negritude se reúne. A manifestação tem esse caráter, o de reunir a negritude no
qual esses protestos são direcionados para discutir política municipal, onde a
negritude está com a caneta na mão”, disse.
Viana tem publicado constantemente em suas redes sociais vídeos e
mensagens de repúdio contra a morte de Floyd, chamando atenção para os casos de
racismo no Brasil e contra o ataque sofrido pela produtora cultural Flávia Nascimento
dos Santos, de 23 anos, no noroeste paulista.
Moradora do Jardim Sumaré, em
Araçatuba, Flávia foi vítima de racismo e agredida enquanto fazia compras no
supermercado Coopbanc, na última quarta-feira (3). Em suas redes sociais,
Flávia acusou o gerente do local de ter apertado seu pescoço e a expulsado do
local dizendo que ali não era lugar para ela. A ação comoveu Viana, que é amigo
dela.
"Fica firme, preta. A gente vai passar
isso aí, eu tô gravando esse vídeo tremendo. Eu não consigo nem adjetivar o meu
sentimento nesse momento, é uma mistura de muita raiva e ao mesmo tempo
desolamento de perceber que essa situação não muda e continua acontecendo.
Negro, se entenda, você é um povo e você precisa se defender. A nossa luta
contra o racismo é diária. Se o Estado não tomar medidas urgentes agora para
que paremos de ser agredidos, a coisa vai sair de controle. Chega, já deu, a
gente não aguenta mais racismo”, afirmou em vídeo postado no Facebook.
Em nota divulgada pela assessoria
de imprensa, o supermercado informou que o profissional foi afastado das
funções e que está reavaliando todos os procedimentos internos de segurança
para que situações como essa não ocorram novamente.
O presidente do Conselho Afro
afirma ainda que, para combater ações como essas, medidas de políticas públicas
antirracistas devem ser discutidas com prioridade na sociedade. "A negritude
deve se reunir, pegar a caneta na mão e ser inserida em profissões que ela não
está, tem que ser inserida na medicina, na advocacia, na comunicação e na
tecnologia”.
Darok Viana: "O combate ao racismo não vem só de manifestações, mas quando a negritude se reúne".
Violência policial
Segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de pessoas negras no Brasil é de
56,10%. Nos Estados Unidos o percentual é de 13,8%. Para o professor de
História e mestre em História Social Cultural, Murilo Jesus, a realidade do racismo
no Brasil é diferente do racismo nos Estados Unidos, mas a população negra de
ambos os países enfrenta a violência policial.
"Basicamente todos os dias o
Brasil tem casos de violência policial em suas comunidades e periferias. No Rio
temos o menino João Pedro, a menina Ágatha, o pedreiro Amarildo e tantos outros
negros que são mortos diariamente pela polícia. A violência policial no Brasil
talvez seja ainda mais letal que nos Estados Unidos porque aqui temos um Estado
policial que não se preocupa em levantar uma arma”, afirma.
"Os movimentos negros no Brasil,
partidos e movimentos sociais estão cientes dessa violência policial que a
gente vê não só de nossos governantes que nos últimos anos tem legitimado tais
atitudes, como parte da população brasileira que tende a legitimar essas ações”,
ressalta.
Vítima de violência policial, o professor
relembra do pânico que sofreu quando foi abordado e ameaçado por um policial
militar no Centro do Rio. "Na minha ingenuidade, fui de bermuda e sem camisa
levar uma namorada até o ponto de ônibus. Quando voltava sozinho pra casa, fui
abordado por um PM. Na época eu era estudante da UFRJ e avisei a ele, mas ele estava
com um fuzil e mandou que eu calasse a boca, dizendo que iria sumir comigo.
Fiquei com medo e quando ele achou minha carteira de estudante, me liberou. O
sentimento é de muita raiva”, conta.
Dados do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública divulgados na 13ª edição do Anuário da Violência, realizado
em 2019, revelam que no período de 2017 e 2018, dos 7,9 mil registros de
intervenções policiais terminados em morte no país, 75,4% das vítimas eram
pessoas negras.