A megaoperação policial realizada nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, segue a gerar repercussões e dividir opiniões no país.
Enquanto familiares de vítimas denunciam execuções e desaparecimentos, uma pesquisa da AtlasIntel divulgada na sexta-feira (31) aponta que 87,6% dos moradores de favela do Rio e 62,2% dos cariocas em geral aprovam a ação da polícia.
A Operação Contenção, deflagrada no último dia 28 de outubro, é considerada a mais letal da história do estado, com mais de 130 mortos, segundo estimativas da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. O número oficial, porém, ainda é de 121 mortos, incluindo quatro agentes de segurança.
Relatos de familiares e denúncias de execuções
Entre as vítimas está Wagner, morador da comunidade, encontrado morto com um tiro na testa, segundo relato da companheira, Karine.
Ela afirma que o marido era trabalhador e ajudava a sustentar a família.
"Independente dos erros dele, ele era trabalhador, era família. Semana passada estava ajudando a erguer uma casa na comunidade. Tenho uma filha de 9 anos, que não era filha dele, e ele fez o cabelo dela para ir à escola. São momentos que não vão voltar”, contou.
Karine diz ainda que presenciou a retirada de corpos e denuncia execuções:
"Eles não vieram prender ninguém, vieram para matar. Até quem se entregou foi executado. Procurei desde o primeiro dia, um por um. Enterro vai ter que ser de caixão fechado.”
Balanço oficial e origem das vítimas
De acordo com o último balanço divulgado, 99 corpos foram identificados pelo IML.
Desses, 42 tinham mandado de prisão pendente, 78 apresentavam antecedentes criminais e 13 eram oriundos de outros estados, como Pará, Bahia, Amazonas, Ceará, Paraíba e Espírito Santo.
O governo do Estado justificou a ação como uma tentativa de conter a expansão do Comando Vermelho (CV).
Segundo nota oficial, as investigações apontaram que integrantes da facção recebiam treinamento em armamento, uso de explosivos e táticas de combate nas regiões visadas.
O relatório também indicou que o fluxo de caixa do grupo criminoso movimentava cerca de 10 toneladas de drogas por mês.
"Tanto o Alemão quanto a Penha serviam como polos de abastecimento, distribuindo drogas e armas para outras comunidades controladas pelo grupo criminoso”, diz o texto do governo.
Governador defende operação
Apesar das críticas à letalidade e à falta de prisões de chefes da facção, o governador Cláudio Castro defendeu a ação.
"Tendo em vista estes resultados, a gente vê que o trabalho de investigação e inteligência foi adequado. Todos perigosos e com ficha criminal. Também, pela identificação das origens desses ‘narcoterroristas’, reforço a importância da integração com os estados”, declarou o governador, em nota.
Castro classificou a operação como "um sucesso” e afirmou que os policiais mortos foram as únicas vítimas reais da ação.
Aprovação popular e medo da violência
A pesquisa da AtlasIntel revelou que, além da aprovação majoritária à operação, 81,4% dos cariocas afirmam ter medo de sair de casa por causa da violência — quase o dobro da média nacional, de 43,1%.
No dia da operação, 80% dos entrevistados disseram ter sentido medo diante dos confrontos nas favelas da Penha e do Alemão.
Uso da força e percepção pública
Questionados sobre a conduta das forças de segurança, 62,3% dos moradores do Rio consideraram o uso da força "adequado”, enquanto 34,4% classificaram como "excessivo”.
Entre brasileiros de outros estados, 52,5% consideraram adequada e 45,8% excessiva.
Mais da metade dos cariocas (51,7%) acredita que o resultado da operação reflete a melhor forma de combater o crime, enquanto 37% consideram que teve motivação política.
Avaliação política
O levantamento também analisou a percepção sobre a atuação das autoridades:
• 59% dos cariocas avaliaram como ruim ou péssima a atuação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na crise;
• 45% consideraram o desempenho do governador Cláudio Castro ruim/péssimo, e 36% o avaliaram como bom/ótimo;
• O prefeito Eduardo Paes teve 45% de avaliação regular, 38% ruim/péssima e 13% boa/ótima.
A falta de articulação entre governos também foi alvo de críticas: 54,5% dos cariocas atribuem a responsabilidade pela descoordenação ao governo federal, enquanto a maioria dos brasileiros de outros estados culpa o governo do Rio.
A operação mais letal da história do Rio
Com um número de mortos superior ao do Massacre do Carandiru (111 mortes, em 1992), a Operação Contenção se tornou a ação policial mais letal da história do Brasil.
Organizações de direitos humanos e a Defensoria Pública do Estado do Rio cobram investigações independentes sobre possíveis execuções e o uso excessivo da força por parte dos agentes.
Enquanto isso, parte expressiva da população, especialmente nas comunidades afetadas, apoia a ofensiva, refletindo o sentimento de medo e exaustão diante da violência urbana crônica.