Quando pensamos em escrita, é necessário buscar sua gênese histórica para diferentes culturas. No caso da escrita para os povos do território de Pindoretá, hoje chamado Brasil, se trata de uma experiência que esteve e está muito carregada de imposições, torturas e silenciamentos com relação à oralidade, às crenças e a formas de viver. Foi preciso aprender o português para sobreviver.
Nosso território, com centenas de idiomas originários e de
tradição oral testemunhou muitas formas de contar serem extintas, junto com
seus povos em diáspora, sendo sistematicamente expulsos de seus territórios.
As mulheres indígenas dentro do
contexto da escrita contemporânea subvertem valores sobre o que significa
historicamente escrever e resistem ao recontar suas histórias. Diante disso,
este artigo busca elencar obras literárias de mulheres indígenas guerreiras na
atualidade. É importante entrarmos em contato e obtermos conhecimento sobre os
desafios e particularidades da produção, publicação e circulação dessa
literatura indígena feminina e contemporânea. Precisamos ler, estudar, debater
e produzir conhecimentos acadêmicos a respeito.
Não é mais
possível dialogar sobre literatura brasileira de forma geral sem discutir
literatura indígena. E não há como compreender o fenômeno da literatura
indígena sem demarcar presença da escritora Eliane Potiguara, que abriu o
caminho das águas, sendo considerada a primeira mulher indígena do Brasil a
publicar um livro. Eliane, inclusive, é fundadora do Grupo Mulher-Educação
Indígena (GRUMIN, 1988). É importante ressaltar a articulação de educadoras e
escritoras indígenas em todo território nacional.
Em A Cura da Terra, publicado em 2015, Eliane pontua uma narrativa
ancestral vinculada à compreensão histórica. Moína, uma menina que ama ouvir as
histórias da avó, busca encontrar formas de compreender melhor suas origens, na
medida em que também pretende encontrar
conhecimentos para salvar nosso Ser mais precioso: a Terra.
Em
continuidade, Márcia Wayna Kambeba faz parte do povo Omágua Kambeba e por meio
das poesias de Ay Kakyri Tama: eu moro na
cidade publicado em 2018, busca
romper com estereótipos e equívocos sobre o que é ser indígena. Em total
intertextualidade em consonância com o trabalho de Eliane Potiguara, Kambeba
fortalece os conhecimentos de seu povo e sua perspectiva também enquanto
geógrafa e ativista através da literatura.
Em convívio com a sociedade,
Minha cara de "índia” não se transformou
Posso ser quem tu és
Sem perder que eu sou
Mantenho meu ser indígena
Na minha identidade
Falando da importância do meu povo
Mesmo vivendo na cidade.
Por fim,
Idiane Crudzá Kariri Xocó publicou em 2023 o livro "Marany e sua jornada na
terra e outros contos”, reunindo três emocionantes histórias de seu povo.
Um deles é sobre a luta de sua filha Marany e toda família
para lidar com uma doença ao mesmo tempo em que lutam para fortalecer o idioma
ancestral Kariri, considerado extinto pelos órgãos oficiais.
É necessário
compreender formalmente a literatura feminina indígena e sua potencialidade. O
levante da luta por território e pela validação dos conhecimentos culturais e
artísticos indígenas também se faz por
meio da escrita, com as perspectivas literárias dessas guerreiras da
literatura.
Gizele Juá Erã - Indígena do Povo Kixelô Kariri (CE)
Cientista Social, Artivista e Professora
Participante do Grupo de Articulação Memória Viva Quixelô e
também do Grupo Articulação da Cultura da População Negra e Indígena de São
José do Rio Preto - SP
Instagram: @ professora.gizele
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