Meu pai nasceu no ano de mil novecentos e onze e morreu aos noventa anos. Atravessou dois séculos.
Meu pai nasceu no ano de mil
novecentos e onze e morreu aos noventa anos. Atravessou dois séculos.
Presenciou profundas mudanças no mundo, enquanto durou seu passeio pela terra.
E não foram poucas: Guerras, revoluções, ditaduras. Os costumes, a moral, a
tecnologia, a religião e os valores estabelecidos no pós-guerra, viraram o
mundo de cabeça para baixo. Diante de tudo isso, papai poderia ter sido um
homem em distonia com o seu tempo. Pelo contrário. Conseguiu acompanhar
significativamente todas as transformações e na época em que perdeu o mando
sobre os filhos, quando estes atingiram a idade adulta, não se encolheu nem se
recolheu ao conformismo. Lutou para retomar tal condição e manter o controle
familiar em suas mãos. Não desistiu até o final de seus dias, brigando com os
netos para conservar sua autoridade, como estrela maior da constelação familiar.
Leitor assíduo ensinou-nos desde
cedo os valores da leitura e da educação, tanto que voltou a estudar depois de
adulto, diplomando-se em Contabilidade.
Cuidou sempre da sua saúde e do
nosso bem-estar. Dizia-nos continuamente que em casa que entra o sol, não entra
o médico e que o que se gasta com comida não se gasta com remédios.
Incorporamos essas informações e delas ainda fazemos uso, pois apesar do passar
do tempo, continuam sendo verdadeiras.
Papai tinha o bizarro hábito de
misturar ao vinho, plantas medicinais. Para tratar eventuais problemas de saúde
dele, da família e de aventureiros que se mostrassem receptivos a
experimentarem suas poções. E ai da gente se não aceitasse suas indicações
terapêuticas. Era um Deus nos acuda.
Tenho muita saudade dele. Por
isso recorro à escrita no intento de amenizá-la.
Artimanhas do coração