Maria Beatriz Nascimento foi uma dessas grandes mulheres que com muita força, determinação, elegância e sensibilidade enfrentou os cânones do pensamento social brasileiro, a historiografia, ao fazer a denúncia do apagamento sistemático da população negra e da sua história no discurso oficial
Intelectual potente, transgressora e uma ativista atuante, embora
seu reconhecimento acadêmico tenha demorado a acontecer, seus ensaios, artigos e toda sua produção
intelectual e artística comprovam o quanto suas reflexões estavam em
consonância com o pensamento dos intelectuais na diáspora africana em todo o
mundo.
Mas quem é essa mulher? Maria Beatriz do Nascimento nasceu em
12/06/1942 em Aracaju, filha da dona de casa Rubina Pereira do Nascimento e do
pedreiro Francisco Xavier do Nascimento. Migra com sua família em 1949 para o
Rio de Janeiro. Torna-se Historiadora em 1971 pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ) e a partir de então passa a trabalhar como professora na rede
estadual do Rio de Janeiro. Em 1978 inicia a pós-graduação na Universidade
Federal Fluminense com estudos sobre sistemas alternativos de organização e
quilombos, que conclui em 1981.
Beatriz foi uma mulher atuante no cenário acadêmico. Entre outras
coisas ajudou a criar o "Grupo de Trabalho André Rebouças” na Universidade
Federal Fluminense, participou ativamente da "Quinzena do Negro” em 1977 na
Universidade de São Paulo, fez duas viagens à África com destaque a viagem para
Angola para conhecer os territórios dos antigos quilombos e, posteriormente
tenta traçar um paralelo entre "kilombo” instituição angolana e Palmares no
Brasil.
Fez parte do Movimento Negro Unificado, do Conselho Editorial do
Boletim do Centenário da Abolição e República, se tornou uma grande
conferencista, publicou vários ensaios, textos acadêmicos, mas o trabalho que
trouxe maior projeção a sua vida foi o documentário Ori (1989) que conta a
história dos movimentos negros no Brasil nas décadas de 1970 e 1980 e as
aproximações com a África. O título do
filme se origina da palavra yoruba, que significa cabeça ou centro que representa
a ligação do ser humano com o mundo espiritual. Beatriz também fez poesia, e
possui uma obra considerável nesse campo.
Mulher negra, nordestina, intelectual e ativista, todas essas
marcas colocam Beatriz em um lugar de invisibilidade dentro da academia, que
durante muito tempo não foi reconhecida por seus pares. O fato de conciliar sua
atividade intelectual/acadêmica e a militância dificultou ainda mais seu
reconhecimento nos espaços acadêmicos, espaços esses marcadamente
brancocentricos. Foi contemporânea de intelectuais negros como Lélia Gonzales,
e Abdias do Nascimento.
Beatriz teve uma filha, Bethânia Nascimento que mora nos Estados
Unidos desde 1990 para onde foi estudar balé no Dance Theatre of Harlem School,
Bethânia se tornou curadora da obra de Beatriz.
Infelizmente Beatriz tem sua vida interrompida aos 52 anos em
1995, assassinada pelo companheiro de uma amiga após intervir e aconselhar que
esta colocasse um fim no relacionamento violento. Beatriz foi mais uma vítima
da violência praticada contra as mulheres, seu assassino já havia sido acusado
anteriormente de homicídio e tentativa de estupro.
Como ativista sua participação nos movimentos sociais, na defesa
da educação e na denúncia da condição marginal da mulher negra na sociedade
brasileira evidencia sua própria condição de mulher negra que teve que
enfrentar e superar as estruturas racistas e machistas na academia e na
sociedade como um todo.