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Judith Lauand, bastião do grupo Ruptura, faz cem anos e terá mostra no Masp

Por: FOLHAPRESS - CLAUDIO LEAL
24/05/2022 às 15:30
Famosos

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O salto vanguardista da pintora e gravadora Judith Lauand ocorreu no ano de sua primeira exposição individual na galeria Ambiente...


RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O salto vanguardista da pintora e gravadora Judith Lauand ocorreu no ano de sua primeira exposição individual na galeria Ambiente, em São Paulo. Em 1954, a convite do artista plástico Waldemar Cordeiro, ela passou a integrar o grupo Ruptura, o movimento disparador da arte concreta no Brasil.

Em confronto com o abstracionismo lírico, sua pintura absorveria mais e mais, a partir daquele ano, os processos matemáticos na composição de cores e planos.

Aos 32 anos, à diferença de seus amigos concretistas, ela encarnou uma segunda vanguarda. Era a única mulher do Ruptura e uma presença feminina expressiva num círculo artístico de poderio masculino. Cercada de pioneirismo estético e social, Judith Lauand completa 100 anos nesta quinta-feira, 26 de maio.

Há dez anos, com a saúde frágil, ela deixou de trabalhar no ateliê instalado em seu apartamento na rua Fradique Coutinho, no bairro de Pinheiros. Sua última aparição pública se deu na abertura da exposição "Judith Lauand: Os Anos 50 e a Construção da Geometria", no Instituto de Arte Contemporânea, o IAC, em 2015. Desde então, permanece em casa, não concede entrevistas e chega a descrer da própria idade.

Numa celebração familiar do centenário, seus sobrinhos Elissa e Manoel decidiram transpor um óleo sobre tela sem título, de 1960, para uma gravura em metal de tiragem pequena. A artista assina lentamente cada uma delas. De 25 de novembro a 2 de abril de 2023, o Masp vai realizar a principal homenagem com a mostra "Judith Lauand: Desvio Concreto", integrante do biênio dedicado às "Histórias Brasileiras".

"Um aspecto crucial de sua trajetória que foi deixado à margem é a presença de questões políticas em sua obra, como a repressão da ditadura militar no Brasil, a Guerra do Vietnã e a condição da mulher na sociedade brasileira, quando Lauand aborda temas como violência, sexualidade, submissão e liberdade feminina", analisa Fernando Oliva, curador da exposição no Masp.

Dentre as cerca de 100 obras selecionadas, o museu vai exibir "Atenção", de 1968, "Stop the War" e "Temor à Morte", de 1969, representativas dessas derivações políticas.

Além da retrospectiva, o Masp prepara um livro com textos de autoras brasileiras e internacionais sobre a obra de Lauand. "A mostra irá rever sua produção a partir de novas perspectivas, reforçando o fato, muitas vezes negligenciado pela história da arte brasileira, de que Lauand concebeu um dinamismo muito próprio em suas composições, para além dos dogmas do concretismo em que havia se iniciado", diz Oliva.

"Em seu trabalho a artista cria uma nova relação entre formas, linhas e cores que logo buscaria transcender regras e convenções da época, as décadas de 1950 e 1960".

Lauand, Maurício Nogueira Lima e Hermelindo Fiaminghi se incorporaram ao Ruptura dois anos depois da exposição que aglutinou Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Luiz Sacilotto, Anatol Wladyslaw, Leopold Haar, Lothar Charoux e Kazmer Féjer no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM, em dezembro de 1952. A história desse núcleo pioneiro da arte concreta ganha uma revisão na mostra "Ruptura e o Grupo: Abstração e Arte Concreta, 70 anos", em cartaz no MAM-SP até 3 de julho.

Curador de exposições de Lauand nos anos 2000, Celso Fioravante destaca o papel da artista na conquista de espaços para as mulheres nas artes plásticas. "Judith Lauand teve menos visibilidade, provavelmente porque o circuito de arte reflete o país e a sociedade em que vivemos. Se ainda hoje vivemos em uma sociedade machista, patriarcal e intolerante com mulheres que buscam sua autonomia e seu espaço próprio, não é difícil imaginar como era nos anos 1950 e 1960", diz Fioravante.

"O próprio grupo Ruptura era um predominantemente masculino e, apesar de Judith dizer que havia um clima de cordialidade entre todos, ela própria percebia que Waldemar Cordeiro buscava o protagonismo no grupo", ele acrescenta.

Elissa Lauand, sua sobrinha-neta, lembra da resistência da tia às pressões familiares para que se casasse. Sem querer abandonar a pintura, desmanchou um noivado. "Ela sempre teve muita certeza do que queria na vida. Não vou dizer que levantava a bandeira do feminismo, mas a vida dela tem essa clareza de propósito. Ela estudava muito, tinha um amor incondicional à arte", diz a sobrinha que agora cuida da artista.

A família de Judith Lauand veio do Líbano. A mãe nasceu na cidade de Rachaia; o pai, em Zahle. Nascida em Pontal, no interior de São Paulo, em 1922, Lauand não tardou a se transferir com a família para Araraquara.

Num gesto de mecenato, a família Lupo lhe ofereceu uma viagem de estudos à Itália. Com menos de 18 anos, ela não ganhou a autorização do pai. O sonho de olhar de perto os quadros dos mestres da pintura só seria realizado aos 76 anos.

Em 1998, acompanhada pela irmã, Olga, e pelas sobrinhas-netas Elissa e Patrícia, Lauand entrou pela primeira vez em um avião e realizou uma viagem extensa pela Europa, visitando museus da Espanha, Itália, França e Reino Unido. À noite, de tão ansiosa, perdia o sono. No Louvre, choraria diante da "Mona Lisa", de Leonardo da Vinci. O sorriso lhe interessou menos que as mãos.

"Ela foi exclusivamente artista durante a vida inteira. Não escreveu críticas nem fez curadorias. Sempre viveu apenas da venda de seu trabalho", conta Manoel Lauand, seu sobrinho. Hoje, ela é representada pela galeria Berenice Arvani.

A pintora deve a sua iniciação à Escola de Belas Artes, em Araraquara, mas começou a identificar seu caminho pessoal como monitora da 2ª Bienal de São Paulo (1953/1954), ao conhecer as obras de Paul Klee, Alexander Calder e Piet Mondrian. Premiado na 1ª Bienal, o artista suíço Max Bill, teórico da arte concreta, também inspirou seu trabalho.

"Minha integração na arte concreta foi total", disse a artista em um texto autobiográfico. "Não vi com bons olhos a criação do neoconcretismo... Pensei: se os concretos do Rio colocaram a necessidade de exprimir-se, de tornar expressivo o vocabulário da A. concreta, que o façam". Lauand insistiu em dinamizar as "estruturas através de relações cambiantes de cor, espaço, forma".

Em 1956, ela participou da união histórica das artes visuais com a poesia concreta. A 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta, no MAM-SP, marcou sua aproximação com os poetas paulistas Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos, que a homenageou com um profilograma.

"Assim como no caso do grupo Ruptura, foi a poesia concreta que percebeu as qualidades de Judith Lauand e dela se aproximou. O que a artista então fez foi apropriar-se daquela nova expressão e incorporá-la em sua produção. Mas não o fez de uma maneira automatizada, mas sim deu-lhe a sua fisionomia", avalia Celso Fioravante. "Sua aproximação com a arte concreta se dá de maneira mais popular, poética e pessoal que intelectual e acadêmica".

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RUPTURA E O GRUPO: ABSTRAÇÃO E ARTE CONCRETA, 70 ANOS

Quando Ter. a dom., das 10h às 18h (última entrada às 17h30). Até 3 de julho

Onde Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) - av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portões 1 e 3

Preço R$ 25. Grátis aos domingos. Agendamento prévio necessário



Publicado em Tue, 24 May 2022 15:14:00 -0300







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