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José Vitor Rack

Escritor e roteirista


O ouro pode estar no lixo

Por: José Vitor Rack
25/08/2019 às 10:22
José Vitor Rack

 Começo dos anos 80 do século passado. Maria Bethânia passeava pelas ruas de Salvador e ouviu no rádio do carro uma propaganda. Era um motel que se promovia pelas ondas da FM com um jingle muito envolvente. Apaixonada pela canção, ela encomendou a Paulo Sérgio Valle uma versão estendida do jingle soteropolitano. Assim nasceu Cheiro de Amor, um dos maiores sucessos da carreira de Maria Bethânia.

A música vendeu milhões e até hoje rola nas madrugadas radiofônicas por aí. Dizem, aliás, que o jingle que originou a canção é de autoria de Duda Mendonça, o ex-marqueteiro de Maluf e Lula.


Bethânia e sua alma de artista vibraram dentro do carro, num engarrafamento, ao ouvir um simples jingle de motel. Ela compreendeu que debaixo daquela breguice poderia haver algo interessante.


Temos a tendência a nos atrairmos apenas pelo que já é belo. Pelo que já está acabado. Pelo brilhante, fulgurante, pelo que agrada aos sentidos. Afastamos qualquer possibilidade de contato com o sujo, o feio, o estranho, o quebrado, o fedorento. Seguindo esse instinto natural deixamos passar muitas oportunidades.


Não ligamos para o fato de ter de pagar caro no carro zero quilômetro. Dá status andar com o carro sem placa, com o plástico ainda a envolver os bancos. Mesmo sabendo que pode-se aproveitar muito bem um carro seminovo reformado, personalizado, que paga um IPVA muito menor, preferimos a relaxante experiência de sair da concessionária com um bólido novinho.


Muitos brasileiros que aqui tinham vidas confortáveis, resolvem imigrar para o exterior para ganhar em euros ou dólares. E descobrem que o lixo de países como França e Estados Unidos é riquíssimo em eletrodomésticos, móveis, utilitários... Brasileiros montam casas inteiras com coisas encontradas em caçambas. Uma solda aqui, um polimento ali e pronto! Novinho em folha.


Quem olha para o velho enxergando o novo tem muita chance de se dar bem na vida. A população de baixa renda no país já está mais treinada a ter este condicionamento. Até por uma questão de sustentabilidade seria interessante que a classe média começasse a reciclar mais.


Reciclar materiais e ideias


Uma das alternativas mais interessantes para moradia popular hoje em dia é a casa contêiner. Contêineres marítimos que encerram seu ciclo de vida nos mares do mundo são pintados, desinfetados, recebem forração termo acústica e viram casas bonitas e confortáveis, cerca de 20% mais baratas que similares de alvenaria. E com a vantagem de serem móveis.


Que destino teriam estas caixas de metal? Não é muito mais nobre a destinação para moradia do que o frio e sujo lixo industrial? Aliás, você sabia que aqui em São José do Rio Preto a lei proíbe a utilização de contêineres para moradia?


Aprendamos esta lição. Há muito jingle de motel implorando pra virar hit popular. Muitas vezes a criação reside num simples mudar de lugar das coisas. Olhe ao redor com generosidade e criatividade. Transforme as coisas antes de considerar descartá-las.


Isso vale também para a vida interior de cada um de nós. Transforme os sentimentos que você sente por pessoas e pelas coisas. Recicle o ódio, gere energia vital com ele. Jogue fora a negatividade. Fique apenas com o que há de bom no chega a você.


Olhe melhor à sua volta. Há pepitas de ouro e diamantes ocultos por aí. Devolva pra sociedade o que você pegou quebrado, novo em folha. Seja um melhorador das coisas. Um oficineiro do bem. Demonstre na prática que a frase de Dona Beija é correta:


Cada um dá o que tem.


 






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