*Cacau Lopes
Coronalândia é um arquipélago situado na latitude 20º 40’ 13” Sul, longitude 49º 22’ 47” Oeste.
Povoado por 460 mil habitantes vindos de toda parte do mundo,
todo ano nascem 5.632 bebês, sendo que 4.553 vêm ao mundo através de cesariana.
Temperaturas de rachar a moleira dominam o clima do lugar. Vez ou outra, faz um
friozinho. Coronalândia também é conhecida como a Califórnia das Ilhas de Vera
Cruz. Uma parte dos empreendedores adora dar uma escapadinha em Miami para
comprar bugigangas chinesas americanizadas. Em função disto, o arquipélago vem apresentando
saldo negativo na balança comercial de US$ 89.184.728. A violência contra as
crianças saltou de 25,2, em 2010, para 60,67, por 10 mil habitantes, em 2018. As
agressões contra mulheres, neste período, aumentaram de 11,3 para 59, enquanto
o suicídio pulou de 0,2 para 15,3. O lugar passa por problemas ecológicos
sérios, em função de matas nativas queimadas criminosamente, dos 389.908
veículos que circulam pelas suas ladeiras, produzindo 2.632.000 quilos de pneus
descartáveis, sem contar as 31.960,44 toneladas de resíduos que são recolhidas
pela LUCROFERTIL. O arquipélago ocupa apenas 120 Km dos 67.710,51 da extensão
do Planeta Terra. Apesar deste pouco espaço, a empresa que monopoliza há anos a
coleta de lixo e a varrição urbana diz que varre 432 mil quilómetros de ruas e
praças, anualmente. Equivale à uma volta e meia na circunferência do Planeta e
3.599 varridas na cidade inteira. Os edis acham que está tudo bem: — Quem
estiver de acordo permaneça como está! Aprovado! Em função desta farra com o erário
público, Coronalândia ocupa o 116º lugar na classificação de esperança de vida
e 134º no ranking de educação. O alcaide do arquipélago se orgulha do fato de o
burgo ocupar a primeira posição entre os lugares onde mais se mata de COVID-19,
além de ser a capital da dengue.
O
responsável pela saúde pública das ilhas é um exímio cirurgião geral. Ele
considera um ato criminoso o fato de alguém com abdômen agudo e com diagnóstico
de apendicite supurada não ser submetido a uma intervenção de urgência e
morrer. Ao contrário, considera normal 1.770 pessoas falecerem de COVID-19,
pela simples razão de que ele, seus assessores e o Comitê Gestor não protegem a
vida, para agradar o burgomestre, que prefere o afago de empresários quelvinos,
de padres, pastores e bispo mercadores da fé, sem se importar com os lamentos
do seu povo. Ele e o seu consultor sabem o que deve ser feito, mas não fazem
por omissão. Inclusive, o assessor da saúde subscreveu um documento da
Sociedade Brasileira de Virologia que traz as seguintes recomendações: "O colegiado da Sociedade Brasileira de
Virologia vem a público reiterar a importância do distanciamento social. A
exemplo de outros países, é um dever do Estado e de economistas determinar as
ações para minimizar estas consequências. Nós virologistas temos por princípio,
além do desenvolvimento científico, salvar vida. Sabemos pelo histórico de
outras epidemias que, subestimar a magnitude da sua extensão, por achados
iniciais, é catastrófico. O isolamento horizontal é a chance de reduzirmos a
ocorrência de vários casos graves da COVID-19, cujo comprometimento também se
estenderá a população mais jovem e mais produtiva”. Em sessão na Câmara, o virologista disse que sua fala
em defesa do lockdown foi tirada do contexto. Pergunto: O que faz um cientista
renomado mudar de posição tão rapidamente? Igual ao paciente com apendicite
supurada, a não aplicação de medidas evidenciadas pela saúde pública se
constitui um crime, só que em massa. Isto tem nome: genocídio.
O
secretário, imaginando que todos os insulanos são ignorantes nas práticas sanitárias,
faz sua narrativa enganosa, toda vez que é convidado a falar do assunto. Esbraveja
que aqui se morre muito de COVID porque se faz muito exames. Só para
exemplificar o tamanho desta bobagem, a Alemanha é o 3º país do mundo que mais
testa sua população e tem uma mortalidade de 94 por 100 mil habitantes,
enquanto o Brasil é o 110º pais em teste e tem uma mortalidade de 168. Morre-se
muito na Coronalândia porque a transmissão é altíssima, senhor secretário. Outro
sofisma que gosta de usar é o de que o importante é a letalidade e não a
mortalidade. Este nem vale a pena comentar, tamanha a impropriedade no manejo de
conceitos tão caros para a epidemiologia. Enfim, Coronalândia seguirá chorando
pelos seus mortos, rezando nas portas dos hospitais para Deus vir salva-la
desta praga humana. Se é uma coisa que Deus não dá jeito é na ignorância
misturada com soberba. Não cobrem de Deus uma solução. Cobrem de quem tem que
agir e não age. Amém.
*Médico
sanitarista, professor da FAMERP.