Com quem a gente pensa que está falando
Por: Angélica Zignani
12/03/2020 às 12:27
Angélica Zignani
Que língua é essa que se apresenta logo nos primeiros instantes de vida. Uma forma tão potente, dentro de um corpo tão frágil.
É impossível não ser tocado pelas agudas intenções do choro.
O que será que nos atormenta tanto?
Seja o que for, mesmo que lutemos para estanca-lo, essa potente forma de comunicação nos arrebata.
De posse da linguagem, sabemos dizer que quando a garganta aperta, no temido nó, é um derrame da gente tentando ser evitado.
Na criança não, ele livre, escancarado, é um estandarte. Pudera, também, é só isso que a criança tem, um jeito só de tentar dizer tudo o que sente.
Com quem a gente pensa que está falando, quando, por puro medo, pede "shhh, fica quieto” ou mesmo, ameaça esse derrame todo de sentimento e razão e pede para ser engolido, manda que esse choro volte ao lugar de onde veio, do lugar do desejo, do desejo de tentar.
Por que o choro é uma tentativa.
Um jeito de dizer existo, de tentar ter voz, de dizer, me ouve.
É um elaborado do corpo com a alma, numa mistura sem controle de apenas dizer.
Mas poderosos que pensamos ser; mascarados pela surdez do sentimento, fingimos não ser tocado por ele, pensamos ter controle, mas sabemos bem o que isso nos causa.
Quando esse nó aperta na garganta, sabemos o que ele quer dizer.
Fingimos ignorar, por que do alto de nosso topo crescido de criança adulta, estamos no raso. Sabemos sim o que quer dizer, evitamos para não nos afogarmos.
Que pena.
Que potência seríamos se essa umidade pudesse genuinamente se manifestar, inundando essa razão dominada e seca.
Com quem a gente pensa que está falando.
Na verdade, sabemos bem que estamos ouvindo o que tentamos dizer.
Com toda essa intensidade e de maneiras tão diversas e ele só quer dizer, sempre:
Eu existo e sinto.